00:00:00
ó, então, vamos lá, que tá perigando de você ganhar nessa rodada
00:00:05
como se eu só tenho uma nota?
00:00:07
resiliência, né, Rochelle?
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A gente tem que se esforçar
00:00:11
pelo menos eu conquistei com o meu dinheiro,
00:00:13
não foi herança
00:00:13
Exato!
00:00:14
Não, é com um dado só
00:00:15
porque você é mulher e latina
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ai, três
00:00:19
ó, que tristeza
00:00:22
um, dois, ixi
00:00:24
parece que eu tinha essa propriedade também, ó
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eu fui olhar aqui, eu tinha
00:00:29
o grande palácio
00:00:30
é dois mil dólares a estadia
00:00:32
mas, dona Rita, eu já não tenho mais nada
00:00:34
O minha casa, minha vida negou o meu crédito,
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se eu não pagar aluguel esse mês eu vou ser expulsa, então
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por favor, não me cobra, só nessa rodada,
00:00:41
eu não tenho mais para onde ir
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bom, ó, o nome do jogo é monopólio,
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não é bancada ativista do PSOL,
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você tá vendo o Ivan Valente por aqui?
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Não, só o João Dória, aqui, queimando a Cracolândia
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Tá vendo a Erundina?
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uhm-uhm Só a Joice Hasselman
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A Táliria? Não, né?
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Não tem ninguém ecossocialista,
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vou ter que cobrar o aluguelzinho mesmo
00:01:02
Ó, você perdeu
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Mas Dona Rita, eu não queria ter perdido
00:01:05
Se você nas quisesse ter perdido, Rochelle
00:01:08
era só não ter sido uma pobre f****a,
00:01:11
sua pobre
00:01:12
f****a
00:01:13
[musiquinha]
00:01:17
Bom, como você já deve ter visto em algum local desta tela
00:01:23
o tema do vídeo de hoje é
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Adorno, a indústria da cultura e o jogo da vida
00:01:30
Hoje, eu estou tentando lançar aqui um olhar
00:01:34
e um convite
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para que vocês conheçam um dos filósofos,
00:01:39
críticos sociais
00:01:40
que mais marcou a minha vida acadêmica
00:01:44
durante muito tempo eu era incapaz de escrever um paper
00:01:47
que não citasse alguma frasezinha,
00:01:49
um escritinho do Adorno
00:01:51
O vídeo de hoje começa com eu e Rochellinha jogando Banco Imobiliário
00:01:56
e eu não me surpreenderia se esse tivesse sido um dos jogos de tabuleiro mais presentes da sua infância
00:02:04
mais ou menos aqui que não importa a sua idade, tá?
00:02:06
por que esse jogo vem sendo mantido como um bem e cultura das nossas infâncias
00:02:11
por um interesse que não mudou muito desde os nossos pais até a gente
00:02:16
bom, e aqui quero falar sobre outros jogos
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que devem ter também marcado sua infância
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como, por exemplo, o Jogo da vida ou o War
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o que esses jogos têm em comum é que eles transformam em brincadeira
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modos de estar no mundo e de encarar a vida
00:02:33
por exemplo, no jogo da vida você ganha se você juntar bastante dinheiro,
00:02:38
se tornar um magnata
00:02:39
e você perde se você virar filosofo e for morar no campo
00:02:44
no banco imobiliário, vence quem juntou mais propriedade
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e conseguiu o monopólio imobiliário
00:02:50
ao passo que perde quem for à falência
00:02:54
e não tiver onde morar e nem dinheiro
00:02:56
no War, vence quem dominar um número x de territórios, continentes ou dizimar um exército
00:03:02
ao brincar de forte Apache, vence quem dizimar os índios
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ao brincar de comandos em ação ou soldadinhos de chumbo, vence quem dizimar o exército inimigo
00:03:12
bom, eu espero que já tenha ficado claro até aqui
00:03:15
que, mais ou menos todas as nossas brincadeiras são treinos pro mundo
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violento,
00:03:20
capitalista,
00:03:21
de espólio,
00:03:22
de expropriação,
00:03:23
e de fazer dinheiro sem nenhum tipo de escrúpulo
00:03:26
e a gente cresce brincando disso
00:03:28
e que impacto será que isso tem na nossa vida?
00:03:31
Bom, o Adorno nasce ali em 1903, né?
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na Alemanha,
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ele vem de uma família muito rica,
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a família dele era de comerciantes de vinho, tal
00:03:41
e ele queria ser compositor, mas, né, por uma sorte nossa,
00:03:46
ele conheceu a filosofia na escola e se tornou
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um filósofo
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em 1934, ele já é proibido de lecionar na universidade,
00:03:54
ele tinha uma vida acadêmica muito profícua e
00:03:57
ao ser proibido pela ascensão do regime nazista da Alemanha
00:04:01
ele foge para Oxford, na Inglaterra
00:04:03
e depois pra Nova Iorque, nos EEUU
00:04:07
aqui fica curioso a gente pensar que, ao chegar nos EEUU,
00:04:11
nos anos 1930,
00:04:13
o seu Adorno se depara com uma classe operária muito diferente da que ele conhecia,
00:04:19
com uma classe trabalhadora e com uma classe média
00:04:21
muito diferentes das que estavam constituídas na Europa de então
00:04:25
um dos choque dele é tentar entender o que essas duas classes,
00:04:30
a média e a trabalhadora,
00:04:32
fazem no seu tempo livre
00:04:34
com elas passam as suas noites após o expediente e o que elas consideram lazer
00:04:41
o Adorno percebia que
00:04:44
o tempo de lazer se torna tóxico no capitalismo moderno
00:04:49
o seu Adorninho, ele tinha uma percepção de que, no seu tempo de lazer,
00:04:53
no seu tempo livre,
00:04:55
as classes trabalhadoras e as classes médias deveriam otimizar suas potências,
00:05:01
capacidades e instrumentos de decodificar a realidade
00:05:06
o tempo livre serviria, então, para que nós nos tornássemos versões melhores de nós mesmos
00:05:12
é importante começar a atentar para esses fatos
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porque todos esses pensamentos tão sendo lançados
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numa época no mundo
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onde uma guerra vai assolar quase o planeta inteiro
00:05:25
e o planeta inteiro vai sofrer consequências dessa guerra
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ter uma classe que sempre foi a maior parte da população
00:05:33
as classes médias e as classes mais baixas, trabalhadoras
00:05:37
alienada
00:05:38
não envolvida no processo histórico,
00:05:41
nas lutas,
00:05:43
nas notícias,
00:05:44
nas decisões
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é interessantíssimo para quem controla essas classes
00:05:49
esse termo, indústria da cultura,
00:05:52
designa um novo tipo de produção que tava acontecendo naquela época no mundo
00:05:57
uma produção em série e em massa
00:06:00
de filmes, livros, músicas e outras obras de arte e outros
00:06:02
bens de cultura
00:06:06
o adorno vai atentar, por exemplo,
00:06:08
para um fato super curioso
00:06:10
que é a forma com a qual a gente recebe as notícias durante um noticiário, né?
00:06:15
os noticiários, eles não são separados de modo que a gente receba uma notícia,
00:06:21
tenha tempo para refletir sobre ela
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e, a seguir, possa fazer alguma proposta ou ver um aprofundamento daquela notícia
00:06:29
normalmente, o que a gente recebe é: uma noticia escandalosa sobre um rombo financeiro,
00:06:35
sobre um roubo de verba pública
00:06:38
e, logo em seguida,
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uma notícia de futebol ou de qualquer outra futilidade
00:06:42
isso vai fazendo com que a audiência se torne apenas
00:06:46
espectadora
00:06:47
ela apenas observe,
00:06:49
assista e espere a próxima coisa
00:06:53
a indústria da cultura nos oferece sempre entretenimento
00:06:56
para que a gente preencha nosso tempo vago,
00:06:59
descanse a nossa cabeça,
00:07:02
não pense sobre a realidade
00:07:05
é como se depois de um dia exaustivo de trabalho,
00:07:08
que já não deveria ser exaustivo,
00:07:11
a gente recorresse a, por exemplo,
00:07:13
uma plataforma de streaming para ver alguma coisinha boba
00:07:17
que nos tirasse da nossa realidade
00:07:19
conturbada e sofrida
00:07:21
então, a indústria da cultura pega para si esse papel de ópio do povo,
00:07:25
esse papel de oferecer alguma coisa que tranquilize as massas
00:07:31
e que seja uma espécie de pão e circo
00:07:34
para que não haja interação nos reais problemas
00:07:37
e um desejo real de mudança desses problemas
00:07:41
Depois de pensar o noticiário,
00:07:43
eu gostaria que a gente pensasse, por exemplo,
00:07:45
as redes sociais, com seus feeds infinitos
00:07:49
e a nossa incapacidade de absorção de tudo que está ali
00:07:53
ou, eu não vou nem aqui entrar no mérito de que a gente tá perdendo a habilidade social na rede social
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depois a gente faz um vídeo disso
00:08:00
mas um dos primeiros vídeos do canal foi sobre isso
00:08:03
a Rochellinha vai deixar aqui em algum lugar
00:08:05
então, se a gente parar para pensar nos maiores blockbusters do nosso tempo,
00:08:10
de outros tempos,
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eles costumam nos levar para mundos de fantasia
00:08:15
e aí, durante os anos 1960/70,
00:08:19
se falou muito em invasões de alienígenas e em corridas espaciais
00:08:25
nos anos 1980, a gente viu a explosão de filmes de ficção científica, de terror
00:08:32
e o cinema, ele costuma nos levar para esse lugar da anestesia, da imaginação de outro mundo e,
00:08:40
a não ser que ele seja muito bem manejado para nos dar ideias,
00:08:43
vou deixar aqui o Bacurau,
00:08:44
o que ele faz é apenas anestesiar e desinformar as pessoas
00:08:50
quando a gente pensa em música para as massas,
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logo a gente vai pensar em música popular
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e, no caso, dos EEUU,
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a música pop
00:08:58
ou mesmo na Inglaterra se a gente pensar nos Beatles,
00:09:00
ela é sempre sobre encontrar um conje,
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viver um grande amor
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idealizar o amor romântico
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querer ele pra si e pensar apenas em vida sentimental
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uma outra indicação bárbara para esse tema
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é A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica
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um texto, do Walter Benjamin,
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no qual ele se corresponde com Adorno
00:09:24
e existe uma brincadeira de que o Adorno teria dito ao Walter Benjamin, em correspondência, que
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o homem mais perigoso dos EEUU era o Walt Disney
00:09:33
[risada capitalista]
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o segundo ponto do nosso vídeo
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é imaginar que o seu Adorninho conseguiu apontar que
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o capitalismo nunca nos vende o que a gente quer de fato
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e aqui eu estou falando um pouco sobre
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fetiche da mercadoria, do seu Karlinho
00:09:52
mas eu acho que eu estou mais falando mais sobre fetiche no sentido freudiano
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então a ideia é mais ou menos a seguinte
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traz aqui na sua cabeça o último comercial que você viu
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então, ele é o comercial de um produto, certo?
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e aí, ele é um comercial de margarina
00:10:06
mas o que tá sendo vendido para você não é margarina
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é a ideia de um café-da-manhã com bastante tempo e fartura
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e uma família feliz
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e uma casa bonita
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cheirosa
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e arrumada
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e um dia de sol
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ou seja,
00:10:21
tudo que o capitalismo nunca consegue vender
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mas que ele imbui nas suas propagandas
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no seu advertisement
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para que a gente cole essas ideias com os produtos
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e assim os fetichise
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e assim queira correr atrás deles
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por acreditar que as nossas necessidades de
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compreensão,
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afeto,
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carinho,
00:10:44
amizade,
00:10:44
vida em comunidade
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serão atendidas ao consumir alguns produtos
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se por um acaso veio na sua cabeça o comercial de dentifrício (pasta de dente),
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porque eu sou retro,
00:10:55
no qual todo mundo tem tanquinho
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e pula na água
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e se diverte num dia de sol
00:11:00
ou comercial de cerveja
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no qual todo mundo é bonito
00:11:03
paquera e se diverte num dia de sol
00:11:05
ou quando...
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que sempre é a mesma coisa
00:11:08
todo mundo se diverte,
00:11:10
é feliz,
00:11:10
tá em conjunto,
00:11:11
dividindo um momento muito contente
00:11:13
e que não tem, aparentemente, nada a ver com o produto que está ali sendo vendido para você
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e o seu Adorno é fundamental
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para que a gente consigo perceber a manufatura dos nossos desejos
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aqui no canal eu falo muito sobre a colonização deles
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e eu gosto de adicionar o termo colonização é porque, normalmente,
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a estrutura de pensamento, a estrutura de venda e a estrutura de consumo
00:11:35
vêm de fora
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O Adorno permanece uma das minhas referências mais queridas
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talvez porque ele faça um apontamento que provoca o marxismo ortodoxo
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é pensar que a nossa batalha e os nossos conflitos e as nossas disputas
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não estão tão somente no campo da nossa
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realidade material
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porque hoje a gente já tem tecnologia e recursos suficientes
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para que ninguém estivesse passando fome,
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morando na rua
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ou sem poder ter acesso a uma universidade
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no entanto, o Adorno e toda a escola de Frankfurt
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vão nos apontar que o nosso problema
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é um empecilho cultural e psicológico
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e são nesses campos que a gente precisa travar nossas batalhas
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porque são esses campos que impedem as pessoas de lutarem pela sua realidade material
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a provocação final que o Adorno nos deixa
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e uma que eu sempre tento puxar aqui no canal
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é de que a gente está vivendo numa cultura doente
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bom, é isso, eu espero que vocês tenham gostado desse vídeo
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até semana que vem
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um beijinho
00:12:49
tchaaaau