00:00:00
"'Não Vai Cair no ENEM' Missões 2, Cena
1, Take 1".
00:00:05
"Não!
00:00:06
Esse vai chamar…
Bom, pode chamar 'Missões 2', tá bom".
00:00:09
"Cena 1, Take 1".
00:00:11
Ah, era o paraíso na Terra!
00:00:14
Um monte de índio dócil, que não praticavam
o canibalismo.
00:00:23
Que sabiam o lugar deles e trabalhavam cumprindo
ordens.
00:00:28
Ainda dormiam tudo direitinho e nunca se revoltavam.
00:00:34
É o curral escravista mais maravilhoso que
alguém já criou!
00:00:37
Melhor que isso só se fosse ovelhas, ovelhas
esperando para o abate.
00:00:43
Que lugar maravilhoso que eram essas missões,
ou reduções jesuíticas guaranis.
00:00:51
Especialmente pelo ponto de vista daqueles
que queriam escravizá-los.
00:00:55
Sim, os piratas do sertão; os bandeirantes
paulistas.
00:01:03
Os homens que destruíram as missões guaranis.
00:01:11
Venha conhecer essa história tremendamente
trágica de um jeito que nunca te contaram.
00:01:20
"Risca, risca!
00:01:23
Risca do mapa essas missões comunistas!".
00:01:28
Bom, o lugar chamava "república comunista
cristã dos guaranis"...
00:01:36
Pô, já tendo nome comunista, já tem que
ser riscado do mapa mesmo, né, cara!
00:01:43
Ai, ai, trágico anacronismo, né, porque
nem a palavra "república" praticamente existia,
00:01:49
comunismo menos ainda.
00:01:51
Mas agora, o objetivo dos sertanistas de São
Paulo era exatamente esse: riscar do mapa
00:02:00
as missões jesuíticas.
00:02:02
E foi isso que aconteceu.
00:02:04
E é isso que eu vou te contar, nesse CENTÉSIMO,
ÉPICO episódio do "Não Vai Cair no ENEM".
00:02:11
Quem diria que esse programa chegaria a cem
episódios?
00:02:15
Vamos por o número aqui: CEM, CEM, CEM!
00:02:18
Eu preferiria que fosse "cem" com "s", né,
mas infelizmente é "cem" com "c".
00:02:23
Porque eu preferiria nem estar fazendo isso!
00:02:26
Mas eu tô.
00:02:27
E na hora que eu faço eu até gosto.
00:02:30
Então, cara, essa história não é que eu
goste, mas essa história é incrível que
00:02:35
ela nunca nos tenha sido contada, né.
00:02:37
Essa história realmente é que tinha que
cair no ENEM.
00:02:40
Essa é uma história que todos nós tínhamos
que conhecer.
00:02:43
Porque cara, a história não se divide entre
bons e maus, entre mocinhos e bandidos...
00:02:49
Mas nesse caso específico, o lado de lá,
o lado que destruiu as missões, sim, é o
00:02:56
lado VILÃO.
00:02:57
Não tem outra interpretação.
00:02:59
A história é complexa, a história é múltipla,
a história é quase furta-cor, né, a história
00:03:05
é camaleônica.
00:03:07
Além de tudo, se diz que o passado está
sempre mudando.
00:03:10
É, o passado está sempre mudando porque
ele depende das interpretações do presente.
00:03:16
Como o presente está sempre mudando, você
interpreta o passado de formas diferentes.
00:03:21
Que bela lição, já, nesse centésimo episódio!
00:03:24
Só que, nesse caso específico, só tem um
lado.
00:03:27
Essa devastação imposta ao primeiro período
das missões, o período que vai de 1609 a
00:03:34
1641, não tem desculpa.
00:03:37
Bom, na sua origem, São Paulo já se chamava
Porto dos Escravos.
00:03:43
São Paulo nasceu a partir de dois personagens
inacreditáveis e misteriosos da história
00:03:49
do Brasil que, algum dia, vão acabar ganhando
um episódio aqui.
00:03:51
João Ramalho, o paulista primordial, um cara
que apareceu em São Paulo ali em 1508, que
00:03:57
ninguém sabe se era um náufrago, se era
um degredado, se era um cara que tinha vindo
00:04:02
de outro lugar do Brasil colônia e chegado
ali...
00:04:05
Provavelmente era um náufrago, ou talvez
um degredado, que chegou em SP em 1508 e que
00:04:11
logo criou um exército particular que alguns
dizem que chegou a ter três mil nativos indígenas.
00:04:18
E, com esses nativos, escravizava vários
outros nativos e vendia eles pra expedições
00:04:23
que passavam ali.
00:04:25
Além do João Ramalho, cara, tem o cara que,
olha tchê, falando sério, na minha opinião,
00:04:30
é o cara mais misterioso da história do
Brasil.
00:04:33
Algum dia ele vai ter um episódio.
00:04:34
Se chama Bacharel de Cananéia.
00:04:37
Ninguém sabe quem foi o Bacharel de Cananéia
de verdade e quando ele chegou ao Brasil.
00:04:42
Tem gente que diz que ele chegou ao Brasil
em 1498.
00:04:46
Isso, mil quatrocentos e noventa e oito.
00:04:51
Dois anos antes do descobrimento oficial do
Brasil, portanto.
00:04:55
Outros dizem que chegou em 1501, trazido pela
expedição da qual fazia parte Américo Vespúcio.
00:05:00
O fato é que, em 1532, quando Martim Afonso
de Sousa chega em Cananéia, já encontra
00:05:07
esse cara senhor de várias... cara, eu sempre
associo ele com Marlon Brando em "Apocalypse
00:05:13
Now", o coronel Curtis.
00:05:18
O cara morava lá, tinha um monte de mulher
dele, tinha um monte de índio servindo ele
00:05:26
e tinha um monte de escravo.
00:05:28
Por causa disso, dessas duas figuras, São
Vicente era conhecido como Porto dos Escravos.
00:05:35
Já em 1508, 1510.
00:05:38
Portanto a origem de SP está ligada a escravização
dos índios.
00:05:42
Só que isso daria uma grande, uma enorme
guinada a partir de 1591, quando o Brasil...
00:05:53
Portugal e Espanha já estavam unidos sob
a tal União Ibérica, já falei dez vezes
00:05:58
aqui, blá blá blá…
E chega um governador geral pro Brasil chamado
00:06:04
Dom Francisco de Sousa.
00:06:06
É esse cara que cria essas milícias paramilitares.
00:06:12
De São Paulo, já saíam expedições escravistas,
expedições exploradoras, pra toda região
00:06:18
em torno de SP, desde 1530, 1532...
00:06:23
Mas esse cara que militariza essas incursões!
00:06:27
O Dom Francisco de Sousa dá roteiros fixos,
estabelece o número de pessoas que deveriam
00:06:33
fazer parte da tropa e até capelães... capelões...
padres iam junto nessas expedições que serviam,
00:06:42
basicamente, pra escravizar indígenas.
00:06:44
É inacreditável que quando se iniciou o
estudo do "bandeirismo", por volta dos anos
00:06:51
20 do século 20, 1920, 1930, 1940, alguns
historiadores, ou com um cinismo gigantesco
00:07:03
ou com deliberada ingenuidade, estabelecem
a primeira fase do bandeirismo como chamada
00:07:10
"bandeirismo defensivo".
00:07:12
Hahaha!
00:07:13
Que os paulistas teriam criado essas milícias
paramilitares, parecidas com as milícias
00:07:20
que hoje assolam e assombram o Rio de Janeiro..
teriam criado essas milícias pra "proteger"
00:07:26
a vila dos ataques indígenas.
00:07:28
De fato, tinha havido um ataque indígena
incrível em São Paulo em 1562, que algum
00:07:33
dia eu também te conto essa história que
é incrível que nunca nos contem.
00:07:36
São Paulo quase foi destr... a nascente de
São Paulo quase foi destruída por um ataque
00:07:43
coligado de indígenas que saíram do Rio
de Janeiro e do oeste do atual estado de São
00:07:49
Paulo e atacaram a nascente de vila de São
Paulo!
00:07:52
Que escapou por um triz!
00:07:53
E houve outros ataques em 1570 e tal.
00:07:57
Então, os historiadores dizem: "não, aí
os paulistas criaram o 'bandeirismo defensivo'".
00:08:03
Há!
00:08:04
Os ataques se davam justamente porque eles
tinham começado a escravizar os caras, como
00:08:08
eu falei, desde 1508!
00:08:11
Só que daí cara, a partir de 1590, 91, com
esse Dom Francisco de Sousa, aí até os historiadores
00:08:19
mais cara de pau são obrigados a admitir
que se inicia o "bandeirismo ofensivo".
00:08:26
Hahaha... bota ofensivo nisso, né.
00:08:29
Os paulistas saem dessas trilhas que saíam
todas do coração de São Paulo e começam
00:08:35
a escravizar tudo que é índio que encontram
ao redor.
00:08:39
Só que daí é o seguinte, cara...
00:08:41
Você já ouviu no episódio anterior, no
nonagésimo nono episódio do NVCNE, se não
00:08:45
viu vai lá correndo ver, para esse agora,
vai lá ver aquele e depois volta pra esse...
00:08:50
Esse é o centésimo, mané!
00:08:51
Esse é o CENTÉSIMO, maravilhoso episódio
do Não Vai Cair no ENEM!
00:08:56
No nonagésimo, você já viu que, a partir
de 1609, os jesuítas, partindo do Paraguai,
00:09:04
começaram a estabelecer as missões no Guayrá,
né, que é hoje o oeste do Paraná, no Tape,
00:09:10
que é o oeste do Rio Grande do Sul, e no
Itatim, que é no sul do Mato Grosso do Sul,
00:09:16
né.
00:09:17
A questão é que o Guayrá, a chamada "florida
cristandade", que tinha 13 reduções com
00:09:24
cerca de cinco mil índios afeitos a autoridade,
ao trabalho disciplinado, ao trabalho agrícola,
00:09:31
ficava a 40, 50 dias de marcha de São Paulo.
00:09:37
E São Paulo é uma raça de caminhantes,
os caras sempre foram caminhantes!
00:09:41
Há relatos do governador Tomé de Sousa,
em 1556, que ele encontrou o João Ramalho
00:09:50
e disse que o João Ramalho caminhava NOVENTA
QUILÔMETROS POR DIA!
00:09:53
Já veio aqui uns comentários..
não que eu leia, mas me disseram, "ah, é
00:09:56
impossível caminhar 90km por dia"...
00:09:58
Tá, talvez ele não caminhasse todos os dias
90km, mas com certeza algumas vezes ele caminhou
00:10:03
90km.
00:10:04
E 40, 30 quilômetros, esses bandeirantes
paulistas, esses sertanistas paulistas, caminhavam
00:10:09
FÁCIL!
00:10:10
E eram cheios de trilhas, né.
00:10:12
Eram as chamadas "peabirus", né.
00:10:14
Peabiru é a principal trilha, mas todas elas
se chamavam "apés", né.
00:10:18
"Apé" não é de "a pé", "apé" é uma palavra
tupi que quer dizer "caminho".
00:10:22
E essas trilhas, eles as percorriam em fila
indiana.
00:10:27
É, fila indiana porque os índios andavam,
os índios brasileiros, os nativos-brasileiros,
00:10:31
andavam um atrás do outro.
00:10:33
Porque as veredas, as chamadas "veredas de
pé posto"...
00:10:37
O Sérgio Buarque de Holanda usa muito essa
expressão, "vereda de pé posto" pras trilhas
00:10:45
estreitas, meras picadas na mata, menos o
Peabiru, o principal Peabiru, que era mais
00:10:52
largo... e eles andavam em fila.
00:10:54
E os bandeirantes, os sertanistas paulistas,
eles incorporaram muitos e muitos dos costumes
00:11:04
nativos dos tupis, dos tupiniquins, basicamente
dos tupiniquins de SP.
00:11:09
Então, eles aprenderam a andar na mata com
um senso de orientação inacreditável e
00:11:14
se alimentando de palmitos (quase extinguiram
os palmiteiros), de mel (e dizem que comiam
00:11:20
mel com a abelha e tudo!
00:11:22
Haha, paulista macho, meu chapa!), de mel,
palmito, e depois eles passaram, ao longo
00:11:27
dessas trilhas, a plantar mandioca e milho.
00:11:29
Então, quando eles chegavam, na incursão
seguinte, já tinha crescido o milho, já
00:11:33
tinha crescido a mandioca e eles comiam.
00:11:35
Essas expedições se movimentavam numa média
de 15 a 25km por dia: era a marcha da caminhada
00:11:45
deles.
00:11:46
Eles saíam logo ao amanhecer, assim que o
sol raiava, eles se punham em marcha e, por
00:11:52
volta das quatro da tarde paravam, montavam
acampamento e no dia seguinte seguiam.
00:11:59
Essas expedições eram muito parecidas, todas
elas.
00:12:02
Os líderes eram paulistas, sertanistas de
São Paulo, mas eles eram uma minoria.
00:12:09
Eles eram tipo assim, 15, 20, no máximo 30,
com exceções.
00:12:12
Depois, vinham os tais mamelucos, filhos de
pai branco, de ventre indígena, de mãe indígena,
00:12:23
que odiaavam os índios, cara.
00:12:26
Odiavam!
00:12:27
Eles eram super afim de escravizar e de matar
índio.
00:12:31
Esses eram em torno de mil, né.
00:12:33
E às vezes, cara, iam tipo dois mil índios
puros.
00:12:37
Índios tupis ou temiminós ou guarulhos que
eram tribos que viviam ao redor de São Paulo
00:12:46
e já tinham sido cooptadas pelos próprios
paulistas e que escravizavam as outras tribos.
00:12:53
Essas bandeiras se punham em movimento e iam
escravizando os índios ao redor de SP.
00:13:00
Só que como disse brilhantemente o Capistrano
de Abreu, ele pergunta: "por que aventurar-se
00:13:06
entre gente boçal e rara, falando línguas
travas e incompreensíveis se, perto de SP,
00:13:14
demoravam aldeamentos numerosos iniciados
na arte da paz, afeitos ao julgo da autoridade?".
00:13:23
Exatamente, porque os jesuítas, ao criarem
essas missões, acabaram criando um curral
00:13:30
escravista.
00:13:31
Os bandeirantes de SP olharam e disseram "olha
ali cara, um monte de índio, tudo morando
00:13:36
numas casinhas.
00:13:37
Nós vamos lá escravizar esses caras, cara!".
00:13:39
E como já havia essa União Ibérica e os
limites entre Portugal e Espanha estavam difusos
00:13:47
e os paulistas juravam que todo o oeste do
Paraná pertencia a eles... porque eles, de
00:13:53
certa forma, tinham mesmo sido os primeiros
a chegarem lá nessas missões... eles resolveram
00:13:59
iniciar uma campanha pra conquistar essas
missões.
00:14:04
E as primeiras missões que eles atacam são
justamente as missões do Guayrá...
00:14:09
Porque em 40 dias de marcha eles chegavam
lá.
00:14:13
Quarenta dias era um passeio na praia pra
paulista.
00:14:17
Então, em agosto...
00:14:20
Se sabe o dia!
00:14:21
Acho que foi no dia 8 de agosto de 1627, um
cara chamado Manoel Preto, e outro, que eu
00:14:26
tinha ouvido falar, chamado Raposo Tavares,
montam uma super, uma hiper bandeira, com
00:14:35
69 paulistas brancos (que era um muito ter
um número tão grande assim de paulistas),
00:14:41
900 mamelucos e dois mil índios, muito provavelmente
temiminós.
00:14:46
Os temiminós mereciam um episódio porque
eles eram aqui da ilha, onde hoje é a Ilha
00:14:50
do Governador no Rio de Janeiro.
00:14:52
Eram índios cariocas inimigos dos Tamoios.
00:14:54
Todo o RJ era um território Tamoio com uma
única enclave, como se fosse um enclave gaulês,
00:15:01
de temiminó.
00:15:02
Os temiminó eram aliados dos portugueses
desde 1560, da conquista do RJ, e os tamoios
00:15:08
tinham sido aliados dos franceses e, por isso,
tinham sido extintos.
00:15:12
Aí, os temiminós já estavam a essas alturas
morando lá.
00:15:15
O Arariboia, por exemplo, índio "fundador"
de Niterói, era temiminó.
00:15:20
Os temiminós já estavam lá instalados em
São Paulo e faziam parte da "tropa de choque"
00:15:25
dessas bandeiras paulistas.
00:15:26
Então, no dia 8 de agosto de 1627, o Manuel
Preto, que tinha setenta anos de idade (SETENTA!
00:15:33
Quase a minha idade, eu tô com 83), 70 anos
de idade, e o Raposo Tavares, no fulgor dos
00:15:41
seus 29 anos de idade (um pouco mais velho
que eu, eu tô com 26), eles partem de São
00:15:47
Paulo.
00:15:48
Em setembro eles chegam no rio Tibaji e cercam
a redução de San Antonio.
00:15:58
Ficam esperando o primeiro pretexto pra atacá-la.
00:16:01
Era a primeira vez que essas reduções guaraníticas,
essas reduções jesuíticas dos guaranis,
00:16:09
seriam atacadas.
00:16:10
E era estritamente ilegal atacá-las!
00:16:14
Primeiro, porque o território pertencia à
Espanha.
00:16:17
Segundo porque os índios, como eu já disse
no episódio anterior, eram CRISTÃOS, eram
00:16:22
CATÓLICOS!
00:16:23
Eram súditos de Sua Majestade Real da Espanha,
o Rei Felipe IV!
00:16:28
Os paulistas não tinham o direito legal,
nem moral, nem espiritual, nem nenhum tipo
00:16:34
de direito para atacá-los.
00:16:35
E eles ficam ali, só bisbilhotando, esperando
um pretexto fútil e encontram um pretexto
00:16:42
fútil e atacaram em janeiro de 1628.
00:16:47
Atacaram e destruíram aquela missão.
00:16:59
Quando eles voltam pra São Paulo, em maio
de 29, em maio de 1629... cês veem, eles
00:17:09
ficaram quase dois anos...
00:17:11
Eles tinham escravizado 30 mil índios e tinham
destruído nove reduções.
00:17:17
E sabe como é que foram esses ataques?
00:17:19
Os índios, quando eles atacavam... os índios
não tinham armas, não podiam ter arma, eram
00:17:24
desarmados por determinação dos próprios
jesuítas e da própria coroa espanhola.
00:17:29
Os índios se refugiavam na igreja e eles
botavam fogo na igreja, cara.
00:17:35
Que nem aqueles filmes de caubói.
00:17:37
Sabe aqueles filmes de caubói que os caras...
que o bom povo... quando os homens maus, o
00:17:43
Clint Eastwood...
00:17:44
Não, Clint Eastwood é o nosso herói!...
00:17:47
Chegam na cidadezinha, os caras se refugiam
na igreja, os malvados põe fogo na igreja...
00:17:52
Pois era assim cara.
00:17:53
Olha aqui a descrição, olha aqui a descrição
do ataque à redução de São Francisco Xavier,
00:17:59
essa no Tape, né.
00:18:01
Guayrá e Tape.
00:18:02
Vai lá ver o outro episódio anterior, o
nonagésimo nono, que tu vai saber o que é
00:18:05
o Tape!
00:18:06
Em 1627, olha só: "lá, depois de atearem
fogo por três vezes a igreja, os paulistas
00:18:12
abriram uma fenda na parede.
00:18:14
Quando os indígenas tentaram escapar, a modo
de um rebanho de ovelhas que sai do curral,
00:18:20
os sertanistas com espadas, machetes e alfanges,
lhes derribavam as cabeças, lhes truncavam
00:18:26
os braços, lhes desarrejavam as pernas, lhes
atravessavam os corpos com lanças e espadas.
00:18:33
Provavam o sabor do aço de seus alfanges
e rachavam a cabeça de meninos em duas partes.
00:18:40
Abria-lhes o crânio e despedaçavam-lhe os
membros".
00:18:44
É, na jornada, com todos eles acorrentados
pelo pescoço até São Paulo, havia ainda
00:18:50
outros horrores adicionais.
00:18:52
É o seguinte cara, se o cara era velho e
não podia caminhar eles largavam os cara.
00:18:57
Se era criança, eles matavam criança.
00:18:59
Tem aqui, tem aqui o relato também, ó.
00:19:01
Matavam os enfermos, matavam os velhos, abandonavam
os aleijados e as crianças que impediam seus
00:19:06
parentes de seguirem a marcha.
00:19:09
Desse jeito eles levaram cerca de CEM MIL,
cem mil escravos indígenas pra São Paulo,
00:19:16
ao longo de vários anos.
00:19:19
Esses massacres se iniciam em 1628 e vão
se encerrar, como você vai ver, em 1641.
00:19:45
Esse Manoel Preto tinha uma fazenda na "freguesia
do ó", ele devia ser "punk da periferia,
00:19:52
é da freguesia do ó": ele chegou a ter mais
de 1500 escravos, cara.
00:19:58
Se diz que o Raposo Tavares teve dois mil
escravos.
00:20:01
Esses escravos duravam de 4, de 3 a 4 anos,
porque eles recebiam uma espiga de milho por
00:20:07
dia de comida.
00:20:08
É, eles serviam basicamente pra carregar
as cargas entre São Paulo lá em cima e o
00:20:13
porto de Santos lá embaixo pela via Anchieta.
00:20:15
É, foi isso que aconteceu.
00:20:17
Todas essas missões...
00:20:18
Já contei, né.. em 1630, o Padre Ruiz de
Montoya, consegue evacuar DOZE MIL índios
00:20:25
das missões que ficavam ali entre o rio Paraná
e o rio Uruguai.
00:20:30
E aí cara, eu prometi que eu ia te contar
no centésimo, no nonagésimo nono eu te falei
00:20:36
o que que ia acontecer em 1641 na batalha
de M'bororé.
00:20:42
Quantos minutos tem aí, quantos minutos tem
aí?
00:20:45
Ahn?
00:20:46
Tem 21 e eu vou ficar mais 86 minutos contando
pra ti o que aconteceu na batalha de M'bororé.
00:20:53
Já falei no episódio anterior que, depois
da devastação dessas missões e quem liderou
00:20:58
esse êxodo de 12 mil guaranis lá pro Paraguai
onde daí os paulistas de fato não chegavam...
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Porque pelo menos o Paraguai eles admitiam
que pertencia à Espanha!
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O Padre Ruiz de Montoya primeiro veio pro
Rio de Janeiro em 1638...
00:21:13
Perdi a minha anotação aqui em algum lugar,
vou ter que fazer de cabeça...
00:21:17
Em 1638 ele veio pro Rio de Janeiro e aí
depois ele foi pra Espanha.
00:21:23
Na Espanha, ele foi recebido em janeiro de
1638 pelo Rei Felipe IV, que autorizou os
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guaranis a se armarem.
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Autorizou os padres jesuítas a armarem os
guaranis para que eles pudessem resistir a
00:21:38
esse ataque infame, a esse ataque ilegal,
a esse ataque injusto dos sertanistas de São
00:21:44
Paulo.
00:21:45
E aí também o mesmo Ruiz de Montoya convenceu
o Papa Urbano VIII a promulgar uma bula excomungando,
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EXCOMUNGANDO, todo e qualquer homem branco
que atacasse essas reduções.
00:22:02
No caso, os homens brancos evidentemente eram
os sertanistas de São Paulo.
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Quando essa informação chega na cidade SP,
que vivia única e exclusivamente do tráfico
00:22:13
de escravos...
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A primeira fonte de renda de São Paulo foi
a escravização de indígenas, especialmente
00:22:19
da nação guarani...
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Quando essa bula chega a São Paulo há uma
revolta total e os caras disseram: "agora
00:22:25
vamos destruir, acabar de vez com essas missões,
vamo ver se alguém vai nos excomungar!".
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E um cara chamado Jerônimo de Barros monta
uma expedição em fins de 1640 para atacar
00:22:36
as reduções do Tape, que já tinham sido
atacadas pelo Raposo Tavares, que tinha começado
00:22:41
atacando o Guayrá, mas que depois continuou
atacando o Tape.
00:22:45
O Tape era onde hoje é o Rio Grande do Sul.
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Esse Jerônimo de Barros parte de São Paulo
em fins de 1640 e, no dia 11 de março de
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1641...
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Anote esta data no seu calendário, cara!
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11 de março de 1641...
00:23:05
Ele tá vindo pelo rio Uruguai com uma...
com cento e trinta canoas, tá, com 30 paulistas,
00:23:14
300 mamelucos e 600 índios tupi.
00:23:18
Só que aí os guaranis tinham sido autorizados
a se armar.
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E sob a liderança dos padres Pedro Romero
e Pedro de Mola, e com a liderança indígena
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do cacique Ignacio Abiarú, três mil índios
guaranis estão acantonados, estão atocaiados
00:23:41
nas matas ciliares de um arroio chamado M'bororé.
00:23:46
Não se sabe, nunca foi identificado plenamente
onde é este arroio, mas se acha que era um
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afluente da margem esquerda do rio Uruguai,
lá no oeste do Rio Grande do Sul.
00:23:57
Muito provavelmente onde hoje fica uma pequena
localidade chamado Porto Vera Cruz.
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Espero que seja lá porque é longe pra cacete
e eu fui até lá só pra saudar os nossos
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queridos heróis guaranis e jesuítas.
00:24:12
Afinal, estudei no colégio Anchieta, colégio
jesuíta, portanto, no fundo, eu sou um jesuíta.
00:24:18
Não se sabe se é lá mas se acha que foi
lá.
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Na verdade, se houvesse pesquisas mais intensas
e mais profundas, a gente poderia descobrir
00:24:26
exatamente onde isso foi mas parece que ninguém
se interessa muito por essa história...
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NÃO INTERESSA!
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O canal Buenas Ideias se interessa e vou te
contar o que que aconteceu cara: eles vinham
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vindo, pá pá pá pá, pelo rio Uruguai,
descendo ali com suas 130 canoas e seus mais
00:24:42
de mil homens ou cerca de mil homens, quando
três mil índios guaranis armados com canhões
00:24:50
feitos de taquaraçu... que era a taquara
grande, tinha uma boca desse tamanho, um bambu,
00:24:56
uma taquara enorme... que eles criaram canhões...
esse Pedro Romeiro, esse jesuíta que era
00:25:01
um jesuíta engenhoso fez uns canhões que
eram mais ou menos desse tamanho e com uma
00:25:05
boca assim ó, e a parte de trás eles fechavam
com couro e enchiam de pólvora e com um pedregulho
00:25:10
e BUUM!, cortavam um pavio e PÓÓ!
00:25:11
Era um canhão, cara!
00:25:12
Um canhão de madeira!
00:25:14
Só dava pra usar uma vez, mas uma vez já
era bom.
00:25:18
PÁ!
00:25:19
Atacaram!
00:25:20
E aí cara, fizeram catapultas...
00:25:22
Eles pegavam troncos, toras, envolviam elas
com óleo e PUFT, PUFT!
00:25:28
Cara, e desbaratam os caras, cara!
00:25:32
Por TRÊS... a batalha, na verdade, a principal
batalha foi dia 11 mas ela se promulgou por
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três dias... e por três vezes seguidas os
CAGALHÕES dos bandeirantes, dos sertanistas,
00:25:44
só falavam "paz!
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Paz!"... e os índios diziam: "não tem paz!".
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Cara, mataram quase todos.
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Só 120 conseguiram voltar pra SP, de mil!
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E nesse dia se encerra o bandeirismo ofensivo.
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O ciclo de caça ao índio ia acabar nesse
momento e, a partir de então, os bandeirantes
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paulistas iam se dedicar à caça ao ouro.
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É, porque bem nessa mesma época estava sendo
descoberto o ouro das gerais.
00:26:13
As reduções de qualquer forma já tinham
sido amplamente desbaratadas, os paulistas
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já tinham acabado com a Província do Itatim,
onde havia 13 reduções... já tinham ARRASADO
00:26:26
o Guayrá... não sobrava nada do Guayrá,
no oeste do Paraná, não sobrava nada!
00:26:31
Tanto é que hoje não sobra nem o Salto de
Guaíra, né...
00:26:34
As Sete Quedas de Guaíra, que eram lindíssimas,
que foram afogadas pela represa de Itaipu.
00:26:43
Não sobrava nada do Guayrá e não sobrava
nada do Tape.
00:26:47
Os índios tinham todos se refugiado pro Paraguai.
00:26:51
E é aí que vai se iniciar a história das
missões que as pessoas conhecem.
00:26:58
Porque isso que eu contei pra ti no nonagésimo
nono episódio e no centésimo, espetacular,
00:27:03
maravilhoso, épico e de chorar...
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ESPERO QUE TU ESTEJA CHORANDO!... nesse episódio...
as pessoas não sabem nada, cara!
00:27:10
O que as pessoas sabem é a história do renascimento
das missões.
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Quando as missões são recriadas a partir
de 1700 e duram até 1756, por aí, um pouco
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mais, quando se inicia a tal guerra guaranítica
e daí elas são destruídas de novo!
00:27:29
E são ESSAS as missões, os tais sete povos
das missões que as pessoas conhecem.
00:27:34
Só que essa história que as pessoas conhecem
foi CEM ANOS, cem anos depois dessa que eu
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acabo de te contar, entendeu.
00:27:42
E agora, por que que não nos contam essa
história eu não sei!
00:27:46
Acho que de vergonha, né, cara!
00:27:48
Mas é isso!
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Porque teve...
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Já falei e vou repetir: a história não
se divide entre mocinhos e bandidos, entre
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vilões e homens bons, mas NESSE caso, sim,
cara!
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Tinha vilão!
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Eles não tinham o direito de ter atacado
e destruído esse projeto civilizatório!
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E aí você pode discutir "ah mas será que
os padres não faziam lavagem cerebral nos
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guaranis!?"...
00:28:13
TALVEZ FIZESSEM, MAS OS GUARANIS TAVAM VIVOS!
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E tinha um florescente modelo civilizatório
que foi arrasado, destruído, em nome do NADA!
00:28:22
Porque não ficou NADA ali, NADA!
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E aí esses escravos levados pra São Paulo
morreram e aí que os bandeirantes paulistas
00:28:29
vão fazer o ciclo do ouro.
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E eu ainda não fiz o ciclo do ouro, talvez
eu faça algum dia, e ainda não contei a
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história das missões (que também é incrível,
que também é épica) de 1700 a 1760.
00:28:42
Mas talvez eu nunca conte.
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Porque esse é o centésimo episódio e eu
não sei se eu vou dar continuidade a esse
00:28:49
programa...
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Só se você vier rastejando de joelhos até
mim com um monte de dinheiro na mão...
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Porque eu sou um dinheirista que nem um sertanista
paulista...
00:28:59
Eu sou um PIRATA!
00:29:00
"O que você acaba de ver está repleto de
generalizações e simplificações, mas o
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quadro geral era esse aí mesmo.
00:29:10
Agora, se você quiser saber como as coisas
de fato foram...
00:29:13
Ah, então você vai ter que ler!".