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Senhor Brino, ficaria muito bonito se a
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gente conseguisse pintar um quadro do
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senhor com um chicote na mão. O senhor
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tá muito escravocrato, o senhor não acha
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não. Olá pessoal, tudo bem? Aqui é o
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João Sense, eu sou advogado e hoje vou
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falar um pouco sobre essa treta aí do
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Ben Mendes contra o Brino. O Ben Mendes,
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ele é um produtor de conteúdo aqui da
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plataforma YouTube. Ele faz a Honda do
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consumidor em que ele vai atrás de
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alguns problemas envolvendo o direito do
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consumidor e ele filma e faz um conteúdo
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em cima dessa situação e ele posta no
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YouTube também orientando as pessoas
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como que elas podem resolver quando elas
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tiverem algum tipo de problema parecido.
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Por outro lado, o Brino, ele é um
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reactor, ou seja, ele cria conteúdo
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reagindo, mostrando as suas reações para
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o público, obviamente usando o conteúdo
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de outras pessoas. E hoje nós fomos
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surpreendidos com um vídeo do Ben
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Mendes, em que ele chamava o Brino de
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Parasita. Ele fala uma série de questões
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que além de parasita ele é um
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escravagista. ele utilizaria ali o o Ben
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Mendes como um escravo e ele chegou até
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a falar que que o Brino deveria até ter
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um chicote ou algo nesse sentido. Então
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vamos lá. Obviamente a gente precisa
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entender alguns conceitos básicos e a
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primeira questão é que a gente tem que
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entender o direito autoral. E o que que
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seria um direito autoral? Ele é um
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direito conferido pela lei para uma
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pessoa para que ela tenha uma obra
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protegida. seja um texto, seja uma
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música, seja uma letra de música, seja
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um vídeo. Então, direito autoral é você
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ter uma obra protegida por lei. E essa
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proteção faz com que o dono da obra
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possa fazer duas coisas. A primeira é
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decidir como, quando e onde que essa
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obra pode ser usada, ou seja, questões
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econômicas ligadas à própria obra. E o
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segundo ponto que a pessoa tem o direito
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de ser reconhecida pela obra, ou seja,
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ela tem o direito de ser citada como
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dono da obra. Então, basicamente quando
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você faz um react, o correto pela
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legislação é citar ali a fonte ou onde
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você extraiu o vídeo, citar a pessoa.
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Mas nós vamos se preocupar mais com a
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primeira questão que eu falei, ou seja,
00:02:01
a questão de exploração econômica.
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Então, todo mundo que faz uma obra, como
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eu falei, um vídeo, uma música, tem o
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direito de dizer de que forma ela vai
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ser usada. E isso também funciona para
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os vídeos no YouTube. Vídeo no YouTube
00:02:14
também é protegido por direito autoral.
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Logicamente a gente tem algumas exceções
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na própria lei direitos autorais. E essa
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exceção, ela tá lá prevista no artigo
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46. E o que que a lei vai dizer? A lei
00:02:25
vai dizer que não constitui direito
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autoral. Ou seja, você pode utilizar uma
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obra autoral em algumas situações. Que
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situações são essas? Logicamente são
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várias, mas eu vou citar as principais.
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E a principal exceção de que você pode
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usar um direito autoral de outra pessoa
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sem fazer nada ilegal, essa exceção tá
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prevista no artigo 46, inciso terceiro,
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no terceiro ponto da legislação. E esse
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inciso diz o seguinte, que não constitui
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a direito autoral, desde que você esteja
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usando para fazer uma crítica ou
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polêmica. Então, basicamente, isso aqui
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ele abre margem para quando você tem um
00:03:02
vídeo resposta no YouTube, por exemplo.
00:03:04
Então, eu tô aqui criticando, vamos
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supor o Brino ou criticando o Bem
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Mendes. Então, as pessoas em geral podem
00:03:10
pegar um trecho aqui do meu vídeo e
00:03:12
colocar no vídeo que a pessoa tá fazendo
00:03:14
e criticar utilizada a sua liberdade de
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expressão. Então, isso a própria lei diz
00:03:18
que não constitui direito de autor.
00:03:21
Então pode usar sim um vídeo de outra
00:03:23
pessoa, desde que seja para essa questão
00:03:25
de crítica ou polêmica na medida
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justificada. Então não pode usar o vídeo
00:03:30
inteiro de uma pessoa, tem que usar um
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trecho que se justifique. Agora, a
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questão que nós temos aqui na nossa
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frente não é o uso de pequeno trecho,
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não é um uso para polemizar ou um uso
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para criticar, na verdade é um uso de
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uma obra inteira para ganhar dinheiro em
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cima, que é o que acontece quando uma
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pessoa faz react. Ela tá usando uma obra
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inteira. geralmente para ganhar dinheiro
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em cima, para monetizar em cima. Se a
00:03:54
gente for analisar legalmente na letra
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fria da lei, nós temos sim uma violação
00:04:00
de direito autoral. Então, nesse
00:04:01
aspecto, o Ben Mendes tem razão. E se
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você reage aos conteúdos dele,
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principalmente quando você reage a
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vários conteúdos, vídeo inteiro, está
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sim ofendendo o direito autoral que o
00:04:11
Ben Mendes tem sobre as próprias obras.
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Só que aí a gente tem uma questão aqui
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que surgiu no Twitter, que as pessoas
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estão falando, eu não sei bem, mas eu
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vou trazer para que vocês possam
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entender, que é supostamente o Ben
00:04:23
Mendes teria dado uma autorização
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tácita, ou seja, uma autorização sem ser
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por escrito. Só para vocês entenderem,
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dentro do direito a gente tem uma forma
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expressa e tácita de consentir alguma
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coisa. Então, por exemplo, se alguém
00:04:39
reage a um vídeo meu, a um vídeo
00:04:41
inteiro, e eu fico sabendo e vou lá, por
00:04:44
exemplo, e comento no vídeo da pessoa:
00:04:45
"Nossa, muito legal o seu react, gostei
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muito, você tá reagindo aos meus vídeos,
00:04:49
tá me ajudando?" Eu vou lá e escrevi e
00:04:52
esse comentário, por exemplo. Então, o
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que que tá acontecendo? Eu tô de forma
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tácita autorizando a pessoa a reagir aos
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meus conteúdos. Por quê? Porque eu não
00:05:00
fiquei bravo, não falei nada, não entrei
00:05:02
na justiça, não fiz nada. Então isso é
00:05:04
uma autorização tácita, ou seja, não é
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nada por escrito formalmente, não é
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feito um contrato, uma sessão ou uma
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autorização de imagem. Então, pelo que
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estão falando, eu não sei se é verdade,
00:05:14
mas eu tô trazendo aqui até para
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ilustrar, para vocês entenderem como
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funciona essa questão. O Ben Mendes já
00:05:19
tinha elogiado os reacts do Brano, então
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ele sabia que se estava fazendo esses
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reacts e como ele nunca fez nada, nunca
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entrou com processo, foi dado, no meu
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entendimento, uma autorização tácita. É
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lógico que essa autorização tácita, como
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ela não tá por escrito formalmente, a
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pessoa pode revogar a qualquer momento,
00:05:36
falou: "Ó, a partir de agora eu não
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quero mais que use os meus conteúdos".
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Mas a pessoa não teria direito a todo
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retroativo. Por quê? Porque não houve
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violação. Não houve violação porque o
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Ben Mendes deu autorização, ainda que
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tácita e não expressa. Isso já foi
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decidido diversas vezes pelo Tribunal de
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Justiça de São Paulo. Situações em que
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as pessoas não tinham por escrito uma
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autorização de uso de uma obra ou de uma
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imagem, mas pelo comportamento da pessoa
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foi possível concluir que ela autorizou
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tácitamente. Então eu enxergo que se o
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Brino conseguir comprovar na justiça que
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o Ben Mendes autorizou ou tolerou o uso,
00:06:14
ele não vai ter que pagar os
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retroativos, mas de fato ele não vai
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poder mais usar daqui pra frente. Uma
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outra questão principal que surgiu
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durante o vídeo do Ben Mendes é que
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supostamente ali o advogado do Brino
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teria dito que existe um fair use. Não
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existe um fair use, não tem nada a ver
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isso aí. A gente tá tá se utilizando do
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fair use, pessoal. Não existe fair use
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que se você pegar casos de react aqui no
00:06:40
Tribunal de Justiça, nos Tribunais de
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Justiça do Brasil e casos de React lá
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nos Estados Unidos, a conclusão ela é
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bem diferente. Eu trouxe inclusive um
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caso que ocorreu lá nos Estados Unidos
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que foi do Rossenzade versus Klein. Não
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sei se a pronúncia é essa. Nesse caso, o
00:06:56
Tribunal Federal lá de Nova York, ele
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decidiu que o vídeo de reação criado
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pelos youtubers Ethan e Hill Klein
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constituía fair use. Ou seja, o juiz
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entendeu que o fato deles fazerem um
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react de uma obra completa, uma obra
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quase que completa, não constituía
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ofensa direito autoral. Por quê? Porque
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eles fizeram um uso transformativo. Eles
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transformaram a obra em outra coisa com
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o propósito de comentar ou reagir. Ou
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seja, aquele React adicionou de forma
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substancial a obra, ou seja, criou uma
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outra obra. E o juiz lá nos Estados
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Unidos permitiu a monetização nesse
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React. Só que aqui no Brasil, se você
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pega uma obra e transforma em outra
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obra, você tá fazendo uma obra derivada
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que deriva da original. E para isso aqui
00:07:41
no Brasil você precisa de uma
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autorização. Por isso que a gente tem as
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licenças. Você pode comprar uma licença,
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você pode criar produtos da Disney,
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fazer uma obra derivada, desde que você
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tenha essa autorização expressa. E aí
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surge mais uma questão. Vamos então
00:07:54
supor que de fato o Brino está errado,
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tá ofendendo direitos autorais do Bem
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Mendes e o Ben Mendes consegue comprovar
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que nem a autorização tácita ele deu.
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Ele não tolerou, ele não permitiu nunca.
00:08:04
Que que vai acontecer? Bom, logicamente
00:08:06
eles vão levar pro judiciário, um juiz
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vai decidir com base na lei e alguns
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princípios que eu falei. Primeira
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questão que eu acho que aconteceria é
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que se o Ben Mendes conseguir comprovar
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que não deu nenhuma autorização, vai
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ficar comprovada uma violação de direito
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autoral e aí o juiz condenaria o Brino a
00:08:22
pagar todo o retroativo. Ah, mas qual
00:08:24
que é o valor que o juiz condenaria?
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Logicamente a gente não sabe isso de
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cabeça. Não tem como eu precisar aqui.
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Mas o juiz ele tem algumas técnicas para
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saber qual valor seria. ele usaria uma
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média do mercado de uma licença. Ou
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seja, o juiz pode chamar um perito em
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obras autorais para dizer: "Olha, se o
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Ben Mendes fizesse uma autorização, o
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valor dessas autorização seria, sei lá,
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R$ 20.000, R$ 30.000. Então esse é o
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valor que um perito arbitraria, por
00:08:52
exemplo, e aí o Brino teria que pagar
00:08:54
esse valor. Nós já tivemos aqui no
00:08:56
Brasil uma situação muito parecida, não
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envolvendo YouTube, mas envolvendo essa
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questão de licenciamento, que foi o caso
00:09:02
da Marisa Monte versus o João Dória. O
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que que aconteceu nesse caso foi que o
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João Dória, ele utilizou uma música da
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Marisa Monte sem autorização e o
00:09:10
tribunal condenou o João Dória a pagar
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R$ 20.000 a título de dano material. Ou
00:09:15
seja, o tribunal entendeu que a licença
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dessa música seria de 20.000 R000 pra
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situação que ela foi usada. Então, no
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caso do Ben Mendes, aconteceria mais ou
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menos assim, seria feita uma pesquisa de
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quanto custaria uma licença do Bem
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Mendes. Só que geralmente isso acontece
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quando a gente não tem muito comoir de
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fato o lucro que a pessoa adquiriu. No
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caso do Brino, eu entendo que a gente
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consegue sim saber quanto o Brino ganhou
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com os vídeos. E a gente vai para o
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artigo 103 da lei de direitos autorais,
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que diz que quem utilizar obras autorais
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sem autorização, deverá pagar-lhe o
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preço do que tiver vendido. Logicamente
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essa lei é de 1998, então a gente
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precisa interpretá-la porque não existia
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internet na época, não existia YouTube.
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Então a gente vai entender essa questão
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de ao que tiver vendido daquilo do que
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tiver sido visualizado, daquilo que
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tiver sido ganho através das
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visualizações. Isso é muito tranquilo de
00:10:07
descobrir, porque o juiz ele pode mandar
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pro YouTube que o YouTube entregue qual
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foi a receita do vídeo específico. Então
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vamos supor que o vídeo ganhou R$ 30.000
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de monetização. O Google tem essa
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informação e ele é obrigado a fornecer
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pro juiz. E aí com essas informações, o
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juiz pode entender quanto cada vídeo
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ganhou, quanto cada vídeo monetizou. E
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aí ele pode decidir por dar uma
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porcentagem dos lucros ou então por
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aquela licença hipotética que eu falei.
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E aqui tem uma análise bônus. O Ben
00:10:35
Mendes, eu acho que ele pode ser
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processado porque ele vazou as conversas
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privadas com o Bino. Isso é uma coisa
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que eu não vi ninguém falando. Quando
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Ben Mendes processar o Brino, o Brino
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pode processar de volta para tentar
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também obter uma indenização, justamente
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alegando pra justiça de que ele teve uma
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conversa vazada. Vazar conversa privada
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é contra a lei, porque o Superior
00:10:55
Tribunal de Justiça entende que o
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vazamento da conversa privada quebra uma
00:11:00
legítima expectativa de privacidade.
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Então, quando você fala com alguém,
00:11:04
quando você manda uma mensagem, você não
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tá esperando que essa pessoa vai tirar
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um print e postar no YouTube ou fazer um
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conteúdo em cima. Então eu acho que o
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Ben Mendes, nesse ponto, ele pode ser
00:11:15
condenado a pagar uma indenização pro
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Breno, porque pessoal, a única hipótese
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que a gente pode vazar uma conversa
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privada é para defender a própria honra.
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Então, se alguém tiver, por exemplo,
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difamando ou inventando coisas sobre
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você, você pode sim pegar a conversa com
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a pessoa e falar: "Ó, isso é mentira". E
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expor essas conversas. Isso não é
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ilícito. Você tá defendendo sua honra.
00:11:35
Mas nesse caso eu acho que o Brino tem
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essa carta na manga para tentar pelo
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menos diminuir um pouco o prejuízo dele.
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Então na minha análise final, a situação
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do Brino, ela não tá lá muito bem não,
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viu? pelo menos juridicamente, porque
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ele de fato utilizou as obras e vai ter
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que pagar pelo uso.