00:01:03
[Música]
Em fevereiro de 2023, uma equipe formada por
00:01:04
procuradores da República e analistas do
Ministério Público Federal visitaram
00:01:05
a Terra Indígena Yanomami para acompanhar
as ações que o Governo Federal havia anunciado
00:01:06
no início do ano para a proteção desse
povo.
00:01:07
[Música]
00:01:08
Desde 1989, o MPF luta para garantir a sobrevivência
e a segurança territorial dos Yanomami.
00:01:09
[Música]
00:01:10
[Música]
O RASTRO DO GARIMPO
00:01:11
O povo que a gente distingue hoje tem uma
formação cerca de 700 anos, e é um povo
00:01:12
[Música]
00:01:13
que mantém uma cultura própria, bem diferente
e peculiar em relação a seus vizinhos.
00:01:14
Eles habitam parte... a maior parte está
no Brasil, entre Amazonas e Roraima,
00:01:21
cerca de 25 mil.
00:01:22
Mas os dados ainda estão sendo aprimorados
através de um censo que está ocorrendo neste
00:01:27
exato momento.
00:01:28
E na Venezuela estima-se que sejam cerca de
14 mil
00:01:32
O povo Yanomami, eles mantêm uma relação
muito próxima com a natureza.
00:01:35
A natureza não é um objeto, como a gente
tende a ter, né, uma distinção que a gente
00:01:40
faz entre cidade e floresta, entre meios diferentes.
00:01:44
Pra eles a natureza é um ser vivo, né, um
ser vivo que interage com eles durante toda
00:01:49
a vida do sujeito, dos indivíduos, né?
00:01:50
[Música]
00:01:51
A Floresta é uma riqueza!
00:01:52
Floresta é uma riqueza!
00:01:53
A segurança do povo Yanomami
00:01:54
que viu perfeito, tudo plantado.
00:01:55
Isso aí é uma riqueza se alimentar, meu
povo!
00:01:58
Se alimentar, aqui que tem assim as fruta.
00:02:00
A fruta, castanha, os buriti, caça.
00:02:01
Tem abelhas, que fazem mel de abelha... isso
é a sobrevivência pra sustentar o povo Yanomami,
00:02:08
que é muito importante.
00:02:16
As fruta é que dão saúde.
00:02:28
Saúde e qualidade,
00:02:34
sem contaminado, sem poluído,
sem envenenado.
00:02:47
A natureza representa pra garantir a nossa
vida sempre.
00:03:05
[Música] Som de pássaros
00:03:13
Nós tivemos dezenas de ações ajuizadas
em defesa não só dos Yanomami, mas de outras
00:03:22
etnias.
00:03:24
Também dezenas de ofícios foram expedidas
ao longo da nossa gestão para os órgãos
00:03:31
competentes e governos estaduais para a promoção
da segurança alimentar de etnias, especialmente
00:03:42
Yanomami, assim como a prestação de serviços
médicos e odontológicos.
00:03:47
[Música]
00:03:50
A primeira invasão que aconteceu ali, na
década de 80, 90, né?
00:03:57
E como o povo Yanomami sofreu!
00:03:59
Depois que foi demarcada a Terra Indígena
Yanomami, cinco anos, né, tiraram todos os
00:04:06
garimpeiros, combateram a malária e outros
tipos de doenças, né?
00:04:12
Em 95, 97, a gente tinha... em paz, a gente
tinha as comunidades, é, de vida, cuidado
00:04:21
às comunidades.
00:04:23
Caça, pesca e saúde.
00:04:26
A gente tinha cuidado com as crianças, né?
00:04:32
A gente vivenciou, aqui na Terra Indígena
Yanomami, a gente presenciou situações em
00:04:41
que o garimpo ilegal está praticamente…
está praticamente não, está ao lado dessas
00:04:47
comunidades, poluindo a água que eles bebem
com mercúrio, gerando uma série de agravos
00:04:54
à saúde dessa população que se encontra
desassistida e sem sustentabilidade na sua
00:05:06
própria manutenção.
00:05:07
Pelo Brasil afora, eu diria que, literalmente
de norte a sul, você tem situações muito
00:05:15
graves ocorrendo, em que é, não só necessário,
mas é urgente a atuação do Estado brasileiro.
00:05:24
E eu não falo do Governo, eu falo do Estado
brasileiro que, ao nosso ver, nesse período,
00:05:37
foi... falho, foi omisso, deixou que a situação
se agravasse.
00:05:47
Porque não adianta só também... mesmo que
você tivesse prestando um serviço de excelente
00:05:52
qualidade, mas o entorno… o que está acontecendo
no entorno das comunidades indígenas é que
00:05:59
tá provocando essa situação.
00:06:02
Então, sem uma atuação sistêmica de vários
órgãos do Estado, essa situação não vai
00:06:11
mudar
00:06:13
[batida de música]
00:06:16
Rememorando, dá pra dizer que ele começa,
cresce em 2016, 17, vai crescendo exponencialmente.
00:06:21
Em 2020, 2021, dá pra dizer que é o grande
boom.
00:06:25
Isso a gente verifica por vários critérios.
00:06:27
O primeiro é o aumento das cicatrizes da
floresta, dos alertas que nós temos acompanhado
00:06:33
e também pela mudança de perfil do garimpo.
00:06:35
Ele passa a ter uma estrutura muito maior,
um maquinário mais complexo e sofisticado,
00:06:40
e também um grande número de aeronaves.
00:06:42
Aeronaves, inclusive, de alto valor econômico.
00:06:45
Isso muda a escala do garimpo.
00:06:46
O garimpo que... às vezes, pode-se ter uma
visão romântica de que seria feito de uma
00:06:52
forma artesanal, isso hoje não se confirma
pela realidade.
00:06:55
A realidade mostra que é realmente uma atuação
organizada, estruturada, profissional e realmente
00:07:02
em grande escala, que é o que intensifica
a lesão socioambiental por um lado, e, por
00:07:17
outro, aumenta a
00:07:18
lucratividade desse... dessa atividade.
00:07:19
Nós temos um vasto acervo de evidências,
provas, todas colocadas em ações judiciais,
00:07:23
que demonstram que o Estado brasileiro não
executou a proteção territorial prometida
00:07:28
pela Constituição em favor dos Yanomami.
00:07:30
Desde 2017, o Ministério Público Federal
vem tentando na Justiça que o Estado brasileiro
00:07:35
implemente base de proteção no território
Yanomami e que execute operações policiais
00:07:40
para retirada de garimpeiros.
00:07:42
Essas ações foram, essas decisões judiciais
foram apenas parcialmente cumpridas, e o resultado
00:07:46
dessa falta de proteção territorial é o
que nós assistimos nesse momento uma crise
00:07:51
humanitária dentro da Terra Indígena Yanomami.
00:07:56
Nos últimos quatro anos, a situação ficou
muito diferente, né?
00:08:06
Crianças, adultos… ficaram muito doente
e foram pra Boa Vista.
00:08:13
Na Casai, está muito lotado.
00:08:15
Tem 800 pacientes lá na Casai, porque não
houve atendimento nas comunidades.
00:08:28
Tem muitas comunidades que não há atendimento
de saúde.
00:08:30
O pessoal de saúde, a equipe só vão lá
pra resgatar pacientes graves e mandam pra
00:08:36
Boa Vista e outros ficam aqui pra fazer tratamento,
quando tem tratamento.
00:08:43
Os paciente chega aqui ruim, ruim mesmo!
00:08:46
Adulto dessa idade aqui, eles não consegue
entrar.
00:08:50
Todos os dias, todos os dias tem três, quatro
remoções.
00:08:55
Principalmente de crianças, que têm muito
crianças desnutridas, de malária…
00:09:02
Se a gente olhar dados de remoção, por exemplo,
de 2016 a 2021, isso que me chamou a atenção,
00:09:06
de 2016 a 2021 foram 485 remoções.
00:09:08
Nos últimos 15 meses, foram 300 remoções.
00:09:12
Um aumento de 100%, e, basicamente dessa região,
porque a unidade de saúde fecha, a saúde
00:09:17
agrava e aí precisa remover paciente pra
Boa Vista.
00:09:21
O garimpo agrava a situação de saúde pública
e demanda mais remoção, a saúde vai ficando
00:09:25
mais cara.
00:09:26
Um ciclo muito perverso: a saúde se deteriorando
e ficando cada vez mais cara.
00:09:33
Isso é um grande gargalo pra saúde Yanomami,
porque quanto mais recurso se coloca, a saúde
00:09:39
não melhora, porque você investe tudo em
hora/voo pra tratar paciente urgente.
00:09:44
Isso é um ponto delicado.
00:09:50
- Labutas falando 75.
00:09:53
Vai, Labuta!
00:09:55
Vai, Labuta!
00:09:58
- Na escuta.
00:10:00
- Chamou aqui?
00:10:02
- Chamei.
00:10:03
Tem médico aí?
00:10:07
- É o Júnior Yanomami!
00:10:11
- Tem saúde por aí?
00:10:13
- Saúde ainda não chegaram aqui, entendeu.
00:10:15
Mas tu quer conversar com o médico, é?
00:10:21
(inaudível) Não entendi.
00:10:27
(inaudível) Vou procurar aqui.
00:10:31
Quando os profissionais vão pra comunidade
pra resgatar, os profissionais vê 10 crianças
00:10:38
ruim, mas têm que escolher quem está muito
mal!
00:10:41
Quem está muito mal, aí traz pro Polo Base
de Surucucu, os médicos atende, os profissionais
00:10:50
atende, mas, às vezes, não tem… enquanto
não tem recurso, o paciente morre aqui!
00:10:57
Quando não tem tempo pra vir o resgate de
Boa Vista.
00:11:04
O helicóptero vai na comunidade, traz esses
paciente grave, desnutrida, malária, com
00:11:10
as crianças de 10 anos que têm um peso de
5 quilos, entendeu?
00:11:16
A desnutrição é desnutrição muito grave!
00:11:19
[Música]
00:11:20
Em novembro de 2022, o MPF realizou investigação
que desencadeou a Operação Yoasi,
00:11:21
em parceria com a Polícia Federal.
00:11:24
Um esquema teria desviado milhares de medicamentos
que seriam destinados a tratar as principais
00:11:31
causas de morte na Terra Indígena Yanomami.
00:11:39
[Música]
00:11:41
Tem um contrato de R$ 3 milhões junto com
uma empresa para o fornecimento de 95 itens
00:11:52
da lista de medicamentos essenciais.
00:11:55
Então, boa parte desses medicamentos não
foram efetivamente entregues, embora integralmente
00:12:00
pagos, e isso a investigação demonstrou.
00:12:03
Houve um grande desvio de recursos públicos
pra custear esses medicamentos essenciais,
00:12:11
né?
00:12:12
E o que era mais importante, e isso me chamou
a atenção, num primeiro momento, era justamente
00:12:16
o Albendazol, que é o medicamento utilizado
pra tratamento de verminose.
00:12:22
E as denúncias chegaram justamente porque
faltava, existiam episódios graves de verminoses
00:12:29
entre os indígenas, que chocaram o Brasil
todo, foram justamente de crianças.
00:12:33
E daí começou a investigação do Ministério
Público Federal.
00:12:47
[Música]
00:12:50
[Música]
00:12:53
O impacto é muito significativo em vários
aspectos.
00:13:11
Eu acho que o primeiro deles é a supressão
vegetal, a realização do garimpo já pressupõe
00:13:17
essa retirada da floresta para que sejam feitas
essas escavações.
00:13:21
O uso de mercúrio é gravíssimo, contamina
as águas, que são fontes de vida em todos
00:13:28
os sentidos, fonte de pescado, que viabilizam
alguns roçados.
00:13:33
Então, todo aquele ambiente que gira em torno
da água acaba sendo comprometido, né?
00:13:38
E isso, quando a gente visualiza a Terra Indígena
Yanomami, que é uma terra indígena de proporções
00:13:43
gigantescas, dá para compreender como que
isso tem um impacto significativo em todo
00:13:47
o estado de Roraima.
00:13:48
Até porque, quando a gente imagina um rio,
ele se insere no contexto mais amplo,
00:13:51
numa bacia.
00:13:52
Então o rio, como o rio Mucajaí, que tivemos
uma diligência recente, aquele lixo descartado
00:13:59
ali, que não tem outro nome, que é realmente
despejado ali, ele contamina não apenas aquele
00:14:04
rio, mas tudo o que decorre daquilo, daquele
fluxo.
00:14:09
O estado de Roraima passa, há alguns anos,
por graves problemas que contribuem não só
00:14:25
para onerar excessivamente sua população,
assim também para... os órgãos do Estado
00:14:34
brasileiro
00:14:35
atender a demandas com saúde, alimento, mobilidade,
enfim, para cuidar da etnia Yanomami.
00:14:45
A questão Yanomami é complexa, é uma questão
que se estende pela Região Norte, praticamente
00:14:53
vai de Roraima até as profundezas da Amazônia
com a divisa com outros países, com a Guiana,
00:15:03
com as Guianas, e nós precisamos encontrar
uma solução.
00:15:08
[Música]
00:15:11
Embora tenhamos um vasto acervo de provas,
00:15:18
é preciso explicar a real dimensão dessa
tragédia humanitária, e isso é importante
00:15:24
de ser feito a partir do relato dos próprios
Yanomami, em suas comunidades e, também,
00:15:28
do diagnóstico local dos impactos ambientais
que o garimpo trouxe para essas comunidades
00:15:32
Yanomami.
00:15:33
É importante que essa investigação se aprofunde
para o esclarecimento das causas dessa desassistência
00:15:40
completa, em relação aos Yanomami, e que
se verifique qual o grau de participação
00:15:46
de cada agente público nesse conjunto de
omissões, de maneira a entender como isso,
00:15:53
de fato, aconteceu, e propor políticas públicas
que impeçam que esse tipo de situação
00:15:59
aconteça novamente.
00:16:00
[Música]
00:16:05
A gente pode aproveitar essa oportunidade,
né, dessa crise, né?
00:16:22
Crises nunca são desejadas, nunca são queridas,
mas elas sempre são oportunidades de reflexão
00:16:28
e de correção de rumos.
00:16:33
Mas... a gente tem que perceber onde estão
as vulnerabilidades legais e institucionais
00:16:43
que permitiram que isso fosse tratado como
uma política de governo, e não como uma
00:16:48
política de Estado; porque a opção do Constituinte
de 1988, ela foi muito clara: assegurou aos
00:16:58
povos indígenas o direito a sua cultura;
rompeu com aquele paradigma de assimilacionismo;
00:17:08
assegurou, como eu disse, o direito à cultura,
às tradições e, principalmente, o direito
00:17:15
à posse da terra e à proteção do Estado.
00:17:21
Como isso é feito, obviamente, faz parte
da legislação infraconstitucional, mas isso
00:17:29
nunca pode ser perdido de vista.
00:17:34
[Música]
00:17:36
A autoridade que é a responsabilidade pra...
deixar a terra curado, curar a terra que os
00:18:02
garimpeiro estraga.
00:18:03
Então, garimpo que eles trouxe é uma doença.
00:18:04
A primeira coisa que a gente tem que observar
é que os povos indígenas são povos como
00:18:06
a gente, né?
00:18:07
Não são diferentes de nós em termos substanciais.
00:18:12
São seres humanos, são brasileiros, mantêm
os mesmos direitos e deveres que a gente.
00:18:18
A preservação de uma cultura, ela é importante
não para fins escolásticos, não para fins
00:18:26
educacionais, mas por respeito àqueles que
a possuem, né?
00:18:32
Acho que o primeiro pressuposto é esse: é
a gente entender que a gente não tem direito
00:18:38
de falar como um grupo, uma coletividade,
deve viver ou morrer.
00:18:46
[Música]
00:18:48
O cerne da questão é que essas populações
têm direito a essa proteção.
00:18:54
Os governos não fazem nenhum favor pra essas
populações,
00:18:57
é um direito que é constitucionalmente assegurado.
00:18:58
[Música]
00:18:59
[Música]