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enigmático surpreendente hipnotizante
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visceral a anatomia de uma queda vem
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sendo dito por muitos como um dos filmes
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mais originais dos últimos tempos e esse
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caos nos Alpes nos ajuda a pensar na
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complexidade das relações para quem não
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me conhece eu sou André Alves eu sou
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psicanalista escritor e pesquisador de
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cultura e comportamento um aviso tem
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spoiler pela frente o que você quer
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saber essa é a primeira fala de anatomia
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de uma queda e a partir desse ponto a
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gente vai saber muito mais do que
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qualquer um desses sujeitos gostaria de
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revelar a questão é que a gente tá nas
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arenosas e movediças terras da
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intimidade de um casal a diretora
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Justine trier foi muito elogiada pela
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sua capacidade de transcender gêneros
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então eu resolvi fazer uma análise um
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pouco diferente a nossa elaboração vai
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ser toda feita em cima de uma única cena
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a grande briga eu decidi pensar nessa
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cena como uma espécie de sessão de uma
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clínica de casais como se a gente
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tivesse tendo acesso a um conflito tão
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forte tão intenso que revela pra gente
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os nós de uma análise ou as razões pelas
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quais um vínculo não tá conseguindo se
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manter até porque muito mais do que quem
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matou o Samuel esse filme me fez pensar
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numa espécie de investigação da
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desvinculação quase uma anatomia do
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fracasso de uma relação nessa sessão a
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gente tem acesso às vísceras de um
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casamento que parece ter perdido
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completamente o seu senso de intimidade
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e esse desentendimento vai ser a chave
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pra gente compreender a anatomia dessa
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queda A questão não é porque eles estão
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brigando mas para que eles estão
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brigando Qual é a conversa que eles não
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estão conseguindo ter a a ponto de ter
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que montar esse espetáculo tão grande em
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que eles se agridem com tanta
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intensidade exatamente para não
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conseguir chegar numa conversa que
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talvez seja fraturante demais os dois
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querem ser ouvidos mas os dois não
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conseguem escutar e aí a gente vai
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entrando inclusive num estgio dessa
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discussão que eles não conseguem sequer
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falar Eles só conseguem gritar e atacar
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E aí nesse contexto é como se a
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agressividade e até a raiva funcionassem
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como disfarces pra dor formas da gente
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não acessar os pontos de dor formas da
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gente proteger as conversas que eles não
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estão conseguindo ter muitas vezes a
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gente constrói essa ideia de relações em
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que a gente tem que dizer tudo existem
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que não CONSEG DIT e outas que não podem
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até porque o em que elas são ditas ou
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mesmo signicos que elg são frates demais
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são convers tão fundas e tão doloridas
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das quais a gente não consegue se
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recuperar
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I love you também me chama atenção como
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nesse vínculo muita coisa se confunde
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principalmente nessa Tríade Samuel
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Sandra e Daniel parece que o filho em
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alguns momentos dessa conversa pelo
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menos serve como um pivô ou um disfarce
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para encobrir algumas dessas conversas
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para impedir que eles consigam se olhar
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Olho no olho e se questionar Afinal o
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que Que Sobrou de Nós Afinal o que que
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ainda existe dessa relação ou será que
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tudo que a gente um dia achou que a
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gente construiria na verdade caiu e a
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gente não vai se recuperar dessa queda
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mas existe muita dor aqui por um lado
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Samuel se queixa que as coisas estão
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muito desbalanceadas nessa relação e ela
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devolve dizendo que a ideia de
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reciprocidade numa relação é totalmente
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ridícula a gente tá naquele ponto em que
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nenhum dos dois parece se sentir mais
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amado mas sim tolerado quando Samuel diz
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que a Sandra lhe deve tempo a gente tem
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um dos dilemas mais Clássicos Dos
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relacionamentos Será que o meu parceiro
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vai ser é capaz de compensar todas as
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perdas que eu sofri todas as concessões
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que eu fiz para estar em relação que é
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uma pressão insuportável para qualquer
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relação é uma conta que nunca vai fechar
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se o nosso analisando é o vínculo tem
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uma outra operação que não tá sendo
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possível de desempenhar que é desmontar
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todo o ressentimento que parece ter se
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tornado espesso demais e aí os
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solavancos e as agressões não estão
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sendo capazes de retirar esses sujeitos
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da posição de vítima ela grita com ele
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você não não é uma vítima mas para mim
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ele resiste bravamente porque pro
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ressentido a posição de vítima é tudo
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que ele tem o ressentido Não É alguém
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capaz de perdoar ou de esquecer mas sim
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alguém que quer não perdoar que quer não
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esquecer Exatamente porque a ligação com
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esse conteúdo com essa experiência que o
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tornou vítima é forte demais até porque
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o ressentido ressignifica a falta como
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prejuízo E aí esse vazio interno que
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todos nós carregamos não é uma condição
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humana mas sim algo que te foi retirado
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e que o outro tem que trazer de volta e
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o Samuel quer de
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volta não é à toa que o Samuel tá sem
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criatividade Parece que todo esse
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psiquismo tá muito envolvido em
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desenvolver narrativas de como ela é
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manipuladora egoísta sua grande algos a
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responsável por pagar a conta de todo o
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prejuízo que ele sofreu na vida à medida
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que a discussão avança a gente vê que a
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Sandra também carrega seus
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ressentimentos e ela tenta fazer uma
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espécie de PX psíquico para o Samuel eu
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adorava a vida em Londres a gente veio
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morar no meio do nada por sua causa Você
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quis renovar a casa tudo isso é culpa
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sua qual que é um dos Nós centrais na
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análise desse vínculo a covardia moral
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versus a coragem de se responsabilizar
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pelos seus desejos ou por topar o desejo
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do outro porque é difícil demais de
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abrir mão da imagem que eu acho que o
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outro tem de mim e quando eu paro de
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topar o desejo do outro eu vou ter que
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abrir mão também desse lugar de
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queridinho not at all o ressentimento
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expressa precisamente a tentativa do eu
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de encontrar algum tipo de conforto ou
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de solução de compromisso com a própria
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covardia e também com os prejuízos que
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ela lhe causou um outro aspecto bem
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interessante dessa discussão é como a
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gente tá numa espécie de labirinto das
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identificações projetivas um tenta
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transferir pro outro aquilo que não
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consegue bancar em si vamos lá o amor só
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se apresenta se a gente for capaz de se
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apaixonar pela imagem que a gente acha
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que o outro tem de nós mas é nessa
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operação psíquica que a gente também é
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capaz de escorregar e achar que o outro
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é exatamente aquilo que nos impede de
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ser aquilo que a gente gostaria de ser
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porque a gente entra numa espécie de
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fantasia paranoica de que o outro tá
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disposto a tudo para nos aprisionar numa
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imagem do que o outro acredita que a
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gente tem que ser e o que que a gente tá
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fazendo nessa dança meio maluca
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entregando nas mãos do outro ou tentando
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transferir pro outro a responsabilidade
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sobre a nossa subjetividade por isso que
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é muito bom quando a Sandra diz eu não
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tenho nada a ver com isso como se ela
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pudesse se desimp licar totalmente dessa
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situação Claro tem algumas frustrações
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que dizem respeito a Samuel mas também
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tem algumas frustrações das quais ele tá
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se queixando que dizem respeito a esse
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vínculo a esse modo de vida que esse
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casal conseguiu encontrar e talvez ela
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também esteja dizendo eu não queria ter
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nada a ver com isso eu não queria ter
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topado essas escolhas ou eu não queria
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talvez ser coautora dessas escolhas eu
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não queria a ter trazido o nosso vínculo
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para cá então quando eles estão tendo
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aquela discussão sobre Quem roubou a
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ideia de quem eu penso que na verdade é
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uma conversa que eles não estão
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conseguindo ter sobre quem se sente mais
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prejudicado sobre as decisões que foram
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tomadas em nome desse vínculo não é a
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toa que essa conversa tem um tom muito
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mais agressivo e de muito mais
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julgamento do que o julgamento da Sandra
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em si no final das contas o que a gente
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tá vendo aqui é uma dificuldade ou uma
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perda da capacidade desse vínculo de
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convocar a dupla nenhum dos dois
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consegue pensar numa solução conjunta só
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consegue apontar um pro outro e dizer
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isso é teu então ninguém consegue
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abaixar a guarda para escutar a dor do
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outro e vai piorando porque os dois não
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vão conseguindo instituir nenhum tipo de
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remorço ou desejo de reparação é só uma
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negociação muito nervosa de quem vai
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assumir a culpa quando os sujeitos
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envolvidos numa relação tão muito
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implicados em clamar por justiça é muito
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difícil a gente desconstruir a as
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histórias ou as narrativas que estão tão
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sólidas que acabam funcionando como uma
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pedra no caminho da construção de novos
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sentidos para uma
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relação mas de novo Tem muito sofrimento
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aqui não é à toa que eles estão aos
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berros ele grita eu quero que as coisas
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mudem e ela responde então vai lá e muda
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quando talvez na verdade ele pudesse
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pedir me ajuda a mudar da mesma forma
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forma que ela tá defendida numa posição
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de não vem tentar me acusar de ter feito
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o estrago ou pedir para que eu mude
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quando você também é corresponsável por
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tudo isso de novo a falência da
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capacidade desses dois de convocar a
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dupla Qual é a grande queda aqui eles
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perderam a capacidade de atravessar
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alguma coisa juntos e a não ser que eles
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estejam muito dedicados a recuperar essa
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capacidade daí a Sandra tem razão é uma
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grande perda de tempo eu diria mais eu
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diria que eles já passaram desse ponto
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de possível reparação ou restituição
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dessa capacidade é como se agora só
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restar se mesmo um pacto perverso em que
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um não consegue abrir mão de deixar o
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outro na pior posição possível
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exatamente por causa de um desejo de
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Vingança muito mal elaborado a gente sai
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dessa cena sem saber de fato o que o
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Samuel acha dessas interpretações tão
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Selvagens da Sandra a gente sabe muito
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menos qual é o peso que ela sente de ser
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chamada de monstro ou mesmo colocada
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nessa posição de algs que fez tanto mal
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para ele pro vínculo pra família o que a
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gente sabe é que eles partem pra
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violência Porque a gente já tá num ponto
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tão massacrante que nem a linguagem
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consegue mais se sustentar parece que a
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nossa única certeza é que esse
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relacionamento chegou ao fim uma queda
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da qual esse vínculo não vai se
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recuperar os dois estão muito presos nas
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feridas do passado e nos fardos do
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presente aponto de não ter mais espaço
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pro novo entrar uma relação acaba quando
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um vínculo perde a capacidade de se
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trans
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quando não tem mais a habilidade de
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deixar o futuro entrar e aí como dois
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paraquedistas no alto dos Alpes só que
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sem paraquedas esses dois estão em queda
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livre mas eu acho que a gente pode
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deixar por aqui seguir pensando no que a
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gente está disposto a abrir mão para
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reintegrar a capacidade de transformação
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de um vínculo até mais