00:00:10
Começou em diversos pontos.
E a gente sempre cita os pontos clássicos:
00:00:15
O Instituto Agronômico de Campinas,
a ESALQ de Piracicaba, a Escola de Viçosa.
00:00:21
Começou nas escolas de Agronomia
00:00:24
e nos institutos de pesquisa
que havia na época, entende?
00:00:28
Começou assim, esporádico.
Em pontos esporádicos.
00:00:32
Olha, a Genética no Brasil
já era lecionada por livro.
00:00:38
Existia em Piracicaba, por exemplo,
o prof. Salvador de Toledo-Piza,
00:00:42
prof. Edgard do Amaral Graner,
eles davam aulas de Genética.
00:00:45
Não existia um Departamento de Genética.
Era o departamento de Fitotecnia, Zoologia,
00:00:50
E eles davam aula de Genética, mas por livro.
Não tinha experimentação em Genética.
00:00:56
Eu sei também que havia um professor,
em Belém do Pará,
00:01:00
chamado prof. Condurú.
00:01:01
Não cheguei a conhecer.
00:01:03
Ele escreveu um livro sobre Genética,
em 1916-1917.
00:01:07
Quer dizer, ele tá bem adiantado no tempo.
Eu tenho esse livro, até.
00:01:12
Mas é uma coisa bem primitiva
a respeito de Genética.
00:01:14
Genética, Genética, mesmo,
00:01:19
tinha em Piracicaba,
o Brieger,
00:01:23
que trabalhava com Genética de milho,
00:01:27
e em Campinas,
00:01:34
o Krug e o Alcides Carvalho.
00:01:36
O Krug trabalhava no Instituto
Agronômico de Campinas
00:01:44
e mesmo antes da chegada do Dobzhansky,
00:01:49
estava fazendo trabalhos extraordinários.
00:01:56
Mais de aplicação,
00:01:58
mas que funcionavam
maravilhosamente bem.
00:02:01
Apesar desse nome estrangeiro,
ele é brasileiro.
00:02:04
Só os pais que são alemães.
00:02:06
Ele fez uma parte dos estudos de graduação
no exterior.
00:02:10
E ele veio com todo o cartaz
e ficou até diretor
00:02:13
do Instituto Agronômico de Campinas
00:02:15
e criou essa seção de Genética.
00:02:17
O Krug é um sujeito brilhante.
00:02:21
Fez vários trabalhos, foi o
melhorador do eucalipto.
00:02:28
O eucalipto que veio da Austrália
dava eucaliptos grandes.
00:02:33
Então ele teve a ideia:
00:02:34
cortou todos os pequenos e
deixou só os grandes.
00:02:37
Uma ideia super simples.
Genética é simples.
00:02:41
O Krug eu conheci só
de ver em reuniões,
00:02:45
não tive contato mais próximo.
00:02:48
Eu tive contato mais próximo
com o Alcides Carvalho,
00:02:51
que foi o sucessor do
Krug na área do café.
00:02:54
Um grande geneticista
e melhorista
00:02:58
do café no Brasil,
o Alcides Carvalho,
00:03:01
que é muito reverenciado
e muito considerado, também.
00:03:06
Eu assisti uma coisa
muito interessante.
00:03:08
Ele foi o introdutor do
milho híbrido no Brasil.
00:03:11
E foi um sucesso.
00:03:13
O brasileiro é muito atento
a sucesso na agricultura.
00:03:17
O milho pequeno e mau produtor
00:03:20
e o outro milho
produzindo 80% a mais.
00:03:25
O que eu sei do Krug
é que era uma pessoa
00:03:28
extremamente metódica,
como todo germânico.
00:03:31
Inclusive, acompanhei
bem o final.
00:03:35
Ele fez uma operação
no coração e faleceu.
00:03:40
Naquele tempo, era muito
difícil sobreviver
00:03:42
de alguma coisa no
coração, não é?
00:03:45
Mas era um cara tão metódico
que não queria tirar os óculos
00:03:47
para ver o que ia
acontecer se ele morresse.
00:03:50
Olha a ideia do cara!
00:03:52
E escolheu música, se ele
morresse, para o enterro.
00:03:59
O Krug já era bem mais velho,
ele é quem
00:04:06
dirigia toda a parte de
Genética em Campinas.
00:04:14
Ele aprendeu Genética nos Estados Unidos.
00:04:17
O Brieger veio da Alemanha.
00:04:19
Acho que a Genética começou no Brasil mesmo
foi com o prof. Brieger.
00:04:24
O Brieger era daquele
grupo de judeus
00:04:28
alemães que fugiram de Hitler.
00:04:32
Então, a Genética brasileira deve muito
a Hitler, porque...
00:04:37
... deve muito de certa maneira,
de ter perseguido o meu chefe, não é?
00:04:44
E ele mesmo dizia isso:
que bom
00:04:46
que ele me perseguiu,
porque eu saí de lá.
00:04:49
Mas ele não gostou no começo.
Ele ficou muito bravo...
00:04:53
...quando ele soube que estava na lista
dos que iam para o campo de concentração.
00:04:58
Então ele fugiu pra Suíça,
da Suíça pra Inglaterra.
00:05:04
Da Inglaterra, no ano seguinte,
00:05:06
ele recebeu um convite.
00:05:08
Quem seria o professor
de Genética, disponível
00:05:11
para vir ao Brasil, ser
professor em Piracicaba?
00:05:14
Na Luiz de Queiroz?
00:05:17
Tem um aqui, especial,
porque ele foi aluno do Correns, inclusive.
00:05:22
O Mendel fez o trabalho dele em 1866
e foi um trabalho que ficou esquecido.
00:05:27
Ele publicou numa revista
que não era importante
00:05:31
e era a primeira vez
que se usa estatística
00:05:34
junto com biologia, atrapalhou um pouco
a compreensão do trabalho.
00:05:41
E esse trabalho veio à tona em 1900,
quando três pesquisadores ao mesmo tempo,
00:05:47
o De Vries, o Tschermak e o Correns
00:05:51
conseguiram detectar a mesma coisa
que o Mendel.
00:05:55
Então, o Brieger é praticamente o F2.
00:05:57
O Mendel é o pai, o F1 é o Correns
e o Brieger foi o F2.
00:06:03
Ele era um indivíduo multidisciplinar.
Ele tinha noções várias de muitas coisas.
00:06:09
Mas ele basicamente era botânico.
00:06:14
Ele se interessava mais por especiação,
por taxonomia numérica,
00:06:19
e por evolução vegetal.
00:06:22
Ele aproveitou a estada
dele aqui principalmente
00:06:26
para estudar a
evolução nos trópicos.
00:06:28
Que foi uma grande contribuição
que ele deu, entende?
00:06:31
Agora, ele tinha um pouco de tudo,
ele era um pouco estatístico,
00:06:35
e era naturalmente geneticista também.
Mas a grande paixão dele era a evolução.
00:06:40
Ele aproveitou as orquidáceas
como modelo
00:06:45
para estudar evolução
nos trópicos.
00:06:50
E o Brieger falou: o que você quer fazer?
Pra pesquisa?
00:06:56
Eu falei: quero trabalhar com abelha.
00:06:58
Ele falou: não entendo nada de abelha,
mas pode.
00:07:01
E aprenda isso pra quando você for chefe:
00:07:04
Sempre premie a boa ideia,
mesmo que você não entenda.
00:07:08
Você vai depender da criatividade dele,
tá muito bem.
00:07:14
Ele não entendia nada de
abelha, mas me deixou fazer
00:07:16
inteirinha a tese, de que
me orgulho até hoje.
00:07:19
O Brieger, pra mim,
tem uma importância especial.
00:07:25
Primeiro, porque foi
meu orientador de doutorado.
00:07:27
Segundo, porque foi o professor com quem
eu mais briguei na vida.
00:07:31
Mas sempre acabávamos fazendo as pazes.
00:07:34
No início, eu tinha muito
receio de trabalhar
00:07:37
com ele porque ele
era uma autoridade
00:07:40
e eu era um iniciante.
00:07:43
Mas a gente começou a
conviver bem e ele
00:07:46
valorizava muito quando
a gente progredia,
00:07:48
quando a gente mostrava que levava a sério.
00:07:53
Enfim, como é até hoje.
00:07:55
Mas sob certos aspectos, ele
era uma pessoa difícil, sabe?
00:07:59
Não era muito fácil, não.
00:08:01
A gente tinha que tomar cuidado
senão ele atritava com a gente
00:08:06
de modo que tinha épocas em que a gente
ficava pisando em ovos, sabe?
00:08:11
Isso eu tenho que dizer.
00:08:12
Mas ele no fundo era um homem
de bom coração, eu acho.
00:08:16
Ele era muito franco.
Não admitia certas coisas.
00:08:20
Comigo mesmo aconteceu um caso.
00:08:23
Ele dizia: férias de cientista,
de pesquisador, é congresso.
00:08:28
Ele não permitia.
Naquele tempo catedrático era deus, né?
00:08:31
Ele dizia: não, vocês não vão ter férias.
Mas trinta dias de férias é normal...
00:08:37
Não, aqui na Genética não tem.
Vocês vão num congressinho, na SBPC...
00:08:42
... aí vocês têm uma semana,
quinze dias...
00:08:45
Passaram lá pelo departamento
e pelas mãos do prof. Brieger
00:08:51
vários geneticistas que eram melhoristas,
como a gente diz,
00:08:55
que trabalhavam com
melhoramento de plantas.
00:08:58
E também geneticistas que depois
se dedicaram a outras áreas.
00:09:04
Tudo tem uma fonte inicial que é o Brieger.
00:09:07
Nós consideramos que Piracicaba
tem duas épocas:
00:09:14
pré-Brieger e pós-Brieger.
00:09:16
Quando ele veio, ele conheceu o Dreyfus,
logo no primeiro dia.
00:09:23
E ele já conhecia de nome o Krug,
do Instituto Agronômico de Campinas.
00:09:27
Então eles fizeram praticamente
um triunvirato,
00:09:32
onde Brieger, Dreyfus
e Krug iniciaram a
00:09:35
formação de recursos
humanos no Brasil.
00:09:39
Então os três,
Brieger, Dreyfus e Krug
00:09:46
são os iniciadores da investigação
em Genética no Brasil.
00:10:10
A Glete era a casa de um milionário.
00:10:15
Que faliu na crise
de 1930 e a casa foi
00:10:19
entregue pro governo como
pagamento de dívidas.
00:10:24
Era uma casa de alto luxo.
00:10:29
O andar térreo era todo envidraçado,
só que não era vidro, era tudo cristal.
00:10:35
Tudo cabia.
No primeiro andar tinha Mineralogia,
00:10:40
no segundo andar tinha
Zoologia e Fisiologia,
00:10:44
no terceiro andar tinha a Genética.
00:10:47
Os professores, naquela época,
00:10:52
tinham vindo para
a Universidade de São Paulo
00:10:57
em decorrência do nazismo.
00:11:00
Mas de todos esses professores, que eram
cientistas consagrados daquela época,
00:11:09
o mais brilhante evidentemente
era o professor Dreyfus.
00:11:13
Então eu vou assitir a palestra dele
e as palestras que o Dreyfus dava,
00:11:16
em qualquer lugar aqui em São Paulo
sempre eram repletas de gente.
00:11:22
E a Biblioteca Municipal
estava repleta e
00:11:25
eu esperei até o final
da palestra dele...
00:11:32
...e fui conversar com ele.
00:11:35
Tinha uma fila, ele era muito acessível,
tinha uma porção de gente,
00:11:39
eu esperei, esperei,
eu queria fazer com mais folga,
00:11:43
esperei, esperei, esperei...
00:11:45
Chega numa hora em que
eu pude falar com ele.
00:11:47
Daí ele me perguntou:
qual é o seu problema?
00:11:51
Eu não sabia direito como
entrar na conversa.
00:11:55
Eu disse: olha, eu queria que
o senhor me informasse o
00:11:59
que eu devo fazer para fazer
o que o Pasteur fazia.
00:12:03
O meu "Pasteur" não foi
lá muito bem pronunciado.
00:12:07
Que é isso?
00:12:08
Eu digo: essa fita aí que está passando,
do Paul Muni...
00:12:12
Ah, o Louis Pasteur!
Muito bem, é esse mesmo...
00:12:16
O Dreyfus era um
médico, mas era um
00:12:19
indivíduo com duas
qualidades fantásticas:
00:12:23
primeiro, muito inteligente,
00:12:26
e segundo, muito bom comunicador.
00:12:33
Então ele ficou famoso
pelas palestras que
00:12:36
dava em São Paulo e
fora de São Paulo,
00:12:39
sobre ciência.
00:12:41
Ele tinha essa
capacidade de divulgar
00:12:44
a Genética sem ter
feito Genética.
00:12:48
E outra coisa: o Dreyfus era
um desse tipo tarado
00:12:52
que quando aprendia
alguma coisa, ele
00:12:56
explicava pro engraxate,
pro ascensorista
00:13:01
subindo no ascensor, no elevador,
00:13:05
e abria a porta e o sujeito dizia:
"preciso descer, doutor"...
00:13:10
e ele: "tá bom..."
00:13:12
Pessoalmente, era extremamente simpático.
00:13:17
Muito amável, divertido.
00:13:22
Dedicadíssimo a todo
o pessoal do laboratório.
00:13:27
Desde o servente até a
primeira-assistente,
00:13:32
que era a Rosina,
00:13:35
ele era solteiro,
era como se fosse a família dele.
00:13:39
Era um desses professores que
quando a gente errava
00:13:43
ele fazia a crítica,
mas uma crítica construtiva,
00:13:47
olha, você tá ainda numa
fase que precisa fazer isso,
00:13:49
fazer aquilo, pra não cometer
esse tipo de gafe, de erro.
00:13:52
Isso dava pra gente um estímulo
que era uma situação fantástica.
00:13:58
Ele, sem dúvida, foi um
grande professor.
00:14:01
Quando eu estava lá, em 1951,
em São Paulo,
00:14:08
foi a época em que se desencadeou
na União Soviética
00:14:16
um processo de caça
aos geneticistas
00:14:22
porque tinha um charlatão lá,
00:14:26
o Lysenko,
Trofim Lysenko,
00:14:30
que resolveu que a Genética
era uma ciência burguesa.
00:14:37
O Lysenko era um cara ignorante,
embora politicamente muito importante,
00:14:43
o Stalin dava todo o apoio a ele,
00:14:46
ele era o dono da Genética
e da ciência toda na Rússia.
00:14:51
Então o Dreyfus estava em pleno
00:14:56
combate ao Lysenkismo.
00:15:00
Fazendo conferências, etc.
00:15:05
E aí ele me convidou
pra jantar na casa dele
00:15:10
o que era uma
honra incrível!
00:15:12
Especialmente pra um jovem
que estava iniciando.
00:15:18
E aí começou a conversar antes da janta,
00:15:25
e aí veio à tona a história,
estava em plena Guerra da Coreia.
00:15:30
O Danko começou
a falar mal dos americanos...
00:15:38
Não sei como é que se chegou a
esse assunto,
00:15:42
E aí perguntaram pra mim:
tão falando que vão enviar
00:15:47
soldados brasileiros pra lutar na Coreia,
ao lado dos americanos.
00:15:54
Perguntaram pra mim,
ou eu disse espontaneamente:
00:15:58
"se me convocarem, eu
vou pro Mato Grosso,
00:16:03
deserto, mas não vou
lutar na Coreia!"
00:16:08
O Dreyfus era emocionalíssimo,
00:16:11
se falasse perto dele de Lysenko...
Ah, já vinha discussão violenta.
00:16:18
O Dreyfus ficou uma fera!
00:16:21
Ele estava em plena luta anti-comunista,
00:16:25
ele considerou já que isso era
uma indicação de comunismo.
00:16:32
Então começou a me xingar a altos brados,
00:16:37
e o Pavan também, como você sabe,
00:16:41
não tem papas na língua.
00:16:45
No dia seguinte,
lá pela hora do café,
00:16:51
o Brito da Cunha veio falar comigo.
00:16:55
"Olha, o Dreyfus tá dizendo pra todo mundo
que você é comunista, que não sei o quê...
00:17:01
adepto do Lysenko..."
Já tinha extrapolado que eu era lysenkista.
00:17:06
A história é que o Dreyfus
era muito emocional.
00:17:10
Então, ele chegava no laboratório,
e um colega meu,
00:17:15
também do Rio, que andou por aqui,
00:17:17
ele dizia: "olha, quando ele chega,
eu olho o pescoço dele."
00:17:21
"Se ele tá com o pescoço duro assim,
não chega perto."
00:17:26
Eu julgava o Dreyfus o melhor professor.
00:17:29
Ele era um didata excepcional.
00:17:32
Foi um dos melhores professores
que eu tive na vida.
00:17:37
Mas não entendia nada de
ciência experimental.
00:17:42
Ele nunca foi um
experimentalista.
00:17:46
Ele não entendia nada de fazer pesquisa.
00:17:50
Então ele pegava um trabalho
de um sujeito e contava aquilo
00:17:54
para você que você entendia
na hora tudo o que ele dizia.
00:17:58
Era fantástico!
Tinha uma capacidade didática
00:18:01
mas ele não tinha capacidade
de fazer experiência.
00:18:05
Na minha opinião.
00:18:07
Ele nunca foi realmente um cientista.
00:18:11
Mas ele foi um formador de gente
00:18:14
espetacular, extraordinário.
00:18:18
Ele foi o principal responsável
pelo desenvolvimento
00:18:22
da segunda fase da Genética
no país, a partir de 1942.
00:18:46
Nós brasileiros tivemos uma sorte tremenda.
00:18:53
No início dos anos 40, com a guerra,
em plena guerra,
00:19:02
a Fundação Rockefeller,
que tinha grandes quantias de dinheiro
00:19:08
ajudando a Ásia, a Europa e
até parte da África também,
00:19:14
por razões da guerra não tinha
possibilidade de fazer mais nada,
00:19:21
eles tinham recursos e decidiram
ajudar a América Latina.
00:19:26
Em 1942 vem um representante da
Fundação Rockefeller ao Brasil
00:19:35
e marca uma entrevista com o Dreyfus.
00:19:37
Ele me convidou pra ir junto.
Nós fomos os três:
00:19:41
o Dreyfus, o Miller e eu.
00:19:44
Ele expôs tudo pro Dreyfus.
00:19:51
Olha aqui: "A Rockefeller está
interessada em ajudar"
00:19:55
"o desenvolvimento da ciência no Brasil
e na América Latina."
00:20:00
Diz o Miller:
00:20:04
"eu acho que no caso do senhor Dreyfus"
00:20:11
"a coisa mais racional é
nós darmos uma bolsa"
00:20:16
"de um ano,
em uma universidade qualquer dos EUA."
00:20:23
E eu estava todo animado no dia seguinte,
venho para o laboratório,
00:20:29
explico pro pessoal:
"O Dreyfus vai pros EUA!"
00:20:32
"Vai fazer curso!"
00:20:36
E o Dreyfus chega e diz:
00:20:39
"Por um ano eu não vou, não."
00:20:41
"Então vamos fazer uma coisa melhor",
diz o Miller,
00:20:45
"Você passa um ano lá
00:20:50
e eu mando um professor"
00:20:54
"um russo que está morando nos EUA"
00:20:58
e quer vir pra América Central.
00:21:02
Eu garanto que eu consigo trazê-lo pra cá.
00:21:05
"Seis meses ele passa aqui."
00:21:08
Muito bom.
Quem é esse personagem?
00:21:14
Theodosius Dobzhansky!
00:21:17
Dobzhansky veio dos EUA em 1943.
00:21:23
Em 1937, ele já era professor na Columbia.
00:21:28
Em 1936-37 ele publicou aquele livro
"Genetics and the Origin of Species",
00:21:34
É o que a gente chama de livro seminal.
00:21:38
Sem dúvida, foi o livro mais importante
00:21:41
publicado na área de evolução
00:21:45
depois do Darwin.
00:21:48
E houve outros cinco autores,
de diferentes especialidades biológicas,
00:21:55
que escreveram livros também
do mesmo estilo.
00:21:57
Isso constituiu a chamada Moderna Síntese,
00:22:01
que veio reabilitar a teoria do Darwin,
00:22:07
que tinha passado em maus lençóis
durante muito tempo.
00:22:12
O grande mérito de
Dobzhansky foi colocar todos
00:22:16
os fatores de evolução
em termos de Genética.
00:22:21
Ele uniu perfeitamente.
00:22:24
E hoje sem Genética
não se estuda Evolução.
00:22:28
Ele era um russo radicado nos EUA,
estava no Cal Tech.
00:22:34
Ele veio porque naquela época o Harry
Miller, da Fundação Rockefeller
00:22:41
queria levar o Dreyfus pra
pegar um verniz lá nos EUA.
00:22:47
Mas o Dreyfus achou que
ele não devia fazer isso
00:22:51
porque já estava muito velho
pra adquirir um verniz.
00:22:56
Então ele...
00:22:59
...trouxe o Dobzhansky pra cá.
00:23:04
E a resposta do Dreyfus pra isso:
00:23:07
"Olha, se é o Dobzhansky
que vem pra cá, ótimo,
00:23:10
eu vou ser a pessoa menos
interessada em sair."
00:23:14
O Dobzhansky era um sujeito excepcional.
00:23:16
Porque ele era russo,
falava um inglês meio atrapalhado,
00:23:20
chegou aqui e a primeira aula que ele deu
00:23:23
ele deu em português!
00:23:27
Esse curso foi outra vantagem enorme
00:23:32
pra todo mundo e pra mim, especialmente
00:23:37
foi assistido pelo prof. Brieger,
de Piracicaba,
00:23:43
e o Gurgel, que era assistente dele,
00:23:47
pelo Krug e Alcides Carvalho,
de Campinas,
00:23:52
por todo o pessoal de pesquisa
do Instituto Biológico
00:23:56
e pelos alunos.
00:23:58
De modo que criou um vínculo
muito grande de amizade.
00:24:06
Foi importante porque
ele estabeleceu
00:24:11
com os ensinamentos
00:24:14
porque ele introduziu a
Genética pra explicar
00:24:16
o que era a Genética
para aquele pessoal,
00:24:19
ninguém sabia direito o que era.
00:24:21
E como se poderia trabalhar
experimentalmente com Genética.
00:24:26
Com isso ele, sem saber,
00:24:29
fundou a escola brasileira de Genética.
00:24:34
Ele é o responsável
direto pela formação de
00:24:38
18 doutores brasileiros
no campo da Genética.
00:24:43
O Dobzhansky foi membro
da minha banca de doutorado.
00:24:48
Ele organizou logo aqui um grupo de
uns quinze jovens biólogos
00:24:55
que começaram a
desenvolver o programa
00:24:57
de estudos de
drosófila no Brasil.
00:25:00
A primeira coisa que ele disse,
00:25:03
foi numa sexta-feira.
00:25:05
Quando nós podemos fazer uma excursão?
00:25:07
Quando é que o senhor quer fazer?
00:25:08
Amanhã!
00:25:09
Eu falei: tá bom!
00:25:10
E nós o levamos para a Serra do Mar.
00:25:14
E ele realmente ficou babado!
00:25:17
A ideia dele era comparar a evolução
00:25:25
em ambiente tropical com o
ambiente temperado
00:25:29
como nos EUA,
onde ele estava trabalhando.
00:25:32
Parecia criança em loja de brinquedo.
00:25:38
Em primeiro lugar,
ele era amabilíssimo
00:25:42
mas era extremamente seletivo.
00:25:44
Amabilíssimo com as pessoas
de quem ele gostava
00:25:48
com o Pavan e comigo
00:25:52
ele foi como um segundo pai.
00:25:54
Ele era muito cordato.
Dava-se bem com todo mundo,
00:25:58
era uma coisa extraordinária.
00:26:00
ele tinha uma personalidade
extraordinária.
00:26:03
Ele influenciou toda uma geração
00:26:06
de geneticistas brasileiros
00:26:08
da qual os maiores expoentes são
00:26:13
o próprio Pavan e
o Brito da Cunha.
00:26:15
Eu conheci ele muito bem.
00:26:19
Primeiro, ele era
um trabalhador compulsivo.
00:26:24
Ele não parava um minuto de trabalhar.
00:26:26
No microscópio, fazendo trabalhos que um
00:26:31
ajudante poderia fazer,
mas ele fazia pessoalmente também.
00:26:35
O Dobzhansky ficava
olhando no microscópio, trabalhando,
00:26:38
e chegava uma pessoa e ele...
00:26:41
"Diga... quem é você?"
00:26:44
"Dick Lewontin, doutor!"
00:26:47
"Ah... o que você quer?"
00:26:49
"É... eu tive pensando..." - e diz lá
qualquer coisa na Biologia,
00:26:55
Então ele parava, virava e
começava a conversar.
00:26:58
Ah, isso era o máximo pra nós!
00:27:02
O Dob parou de trabalhar pra conversar...
00:27:04
quer dizer, a conversa foi mais importante
do que aquilo que ele estava fazendo
00:27:08
naquele momento.
00:27:11
Então era uma honra!
00:27:13
Mas era um cara muito intenso,
00:27:15
muito trabalhador,
como um louco.
00:27:19
É dele essa frase que ele
repete de algum autor
00:27:24
A pesquisa exige não só
inspiração
00:27:28
mas, principalmente,
00:27:31
suor.
00:27:33
E além de ser um grande geneticista
00:27:39
ele era um grande humanista também.
Tinha uma grande cultura geral,
00:27:43
um grande humanista,
00:27:45
numa época em que muitos geneticistas
se acovardaram,
00:27:51
ele, não.
00:27:56
Ele saiu escrevendo
livros contra o racismo.
00:28:01
Dobzhansky passou no laboratório
de Avery, MacLeod e McCarty.
00:28:07
Nesse laboratório,
00:28:10
o Avery falou pro Dob,
que eram muito amigos:
00:28:13
"Ah, fiz uma experiência..."
00:28:16
"... e só dá aqui, nesse aqui, olha."
00:28:19
"O que é que dá nesse?"
00:28:20
"Esse é o DNA..."
00:28:22
"Nossa, você descobriu que o DNA..."
00:28:27
"... a molécula da vida, rapaz!"
00:28:31
"A molécula que transmite a
informação genética!"
00:28:35
"Será?"
00:28:37
Imagine você que ninguém sabia
como era o gene,
00:28:43
na verdade, como é que se organizava
o material genético?
00:28:47
Ninguém sabia nem do que era feito
o material genético.
00:28:50
Então aquele cromossomo é feito de quê?
00:28:53
No dia seguinte, ele passou lá:
00:28:57
"Avery, eu te ajudei a interpretar
os dados aqui,
00:29:01
"passei o dia inteiro com vocês
mostrando que era o DNA."
00:29:05
"Eu peço o favor...
eu não quero entrar na co-autoria."
00:29:10
"Mas peço o favor de deixar eu fazer
uma conferência"
00:29:13
"lá em Piracicaba,"
00:29:16
"numa reunião de todos
os geneticistas brasileiros,"
00:29:20
"em que eu vou...
queria mostrar o que vocês fizeram."
00:29:26
"Ah, pode fazer!
Nós nem acreditamos ainda..."
00:29:30
Isso foi muito importante porque foi
a primeira reunião do mundo
00:29:34
em que se mencionou que
o DNA era o elemento
00:29:37
responsável pela
informação genética
00:29:40
e foi no Brasil,
para 25 pessoas
00:29:43
e todas elas acreditaram!
00:29:46
O Avery ainda não tinha acreditado direito.
00:29:48
Quando o Dobzhansky voltou ele informou
ou alguém do grupo disse
00:29:51
o Avery ainda não tá
completamente acreditando,
00:29:54
Ele acha que é muita banana
por tostão, entende?
00:29:59
Ele ter descoberto.
Mas é fundamental...
00:30:03
Ganhou o Prêmio Nobel por causa disso.
00:30:06
Mas ele era uma pessoa preocupada,
eu acho,
00:30:12
com o problema da morte.
00:30:15
Então veja o que aconteceu
em uma das viagens que nós fizemos
00:30:18
para a caatinga baiana.
00:30:24
Então ficamos numa casa de um casal
00:30:27
já de idade.
00:30:29
Mas umas pessoas extraordinárias.
00:30:33
Tudo estava indo muito bem,
nós íamos passar uma semana lá.
00:30:37
No terceiro dia, na hora do jantar,
00:30:40
a senhora sai da cozinha e diz:
00:30:45
"Professor, posso servir o jantar?"
00:30:47
Eu disse: "pode".
00:30:49
"Mas e o velho, onde está?"
00:30:52
"Ele está ali escrevendo no quarto,
mas eu chamo ele."
00:30:58
E ela voltou pra cozinha.
00:31:02
Ele sai do quarto e diz:
00:31:05
"O que ela disse pra você?"
00:31:09
"Ah, que vai servir o jantar."
00:31:13
"Ué, só isso?"
00:31:15
Eu disse: "foi o que ela me perguntou."
00:31:17
Aí ele disse:
"e como é que ela usou o velho?"
00:31:21
Eu falei: "ela perguntou onde você estava."
00:31:26
"Ela disse velho, não foi?"
00:31:30
"Amanhã cedo nós vamos embora."
00:31:33
Por causa talvez do medo que
ele teve de morrer
00:31:38
ele ficou mais afeito à ideia
de que havia um Deus,
00:31:46
criando todas as coisas,
dentro das leis que a gente estava descobrindo.
00:31:51
O Dobzhansky me chamava várias vezes
para a casa dele à noite,
00:31:56
então ficava a dona Natasha olhando,
que era a mulher dele,
00:32:00
ela olhava cinco minutos,
depois começava a piscar e ia embora.
00:32:05
E a gente continuava às vezes
conversando bastante tempo
00:32:09
sobre religião.
00:32:11
E ele disse:
"só posso conversar com você,"
00:32:15
"só tem um bando de ateus
lá no meu departamento."
00:32:20
Então o Cordeiro dizia:
00:32:21
"Mas por que ele te convida
e não me convida?"
00:32:23
"Porque você não acredita em Deus
e eu acredito."
00:32:27
Então você vê como já tem vantagem
acreditar em Deus?
00:32:31
O Dobzhansky foi uma
pessoa-chave da Genética
00:32:34
e da Genética no
Brasil como um todo.
00:32:36
Sem dúvida, uma pessoa fundamental,
um eixo.
00:32:39
A partir dali começou tudo
00:32:41
Uma pessoa que sacudiu a Genética,
conseguiu trazer conceitos,
00:32:47
e enfrentava as grandes questões.
00:32:53
O Dobzhansky não ganhou o Prêmio Nobel.
00:32:56
Não sei, acho que não ganhou.
00:32:58
Mas eu acho que ele merecia
o Prêmio Nobel
00:33:04
pelas experiências que ele fez.
00:33:07
Mas foi um grande personagem
00:33:09
e pra nós, sem dúvida nenhuma,
00:33:12
foi o que nos tirou de uma
situação de buraco
00:33:17
pra fazer isso que está aí,
sem dúvida nenhuma.
00:33:21
Dele dependeu muito o que nós somos hoje.
00:33:40
Ele estava plenamente consciente
00:33:45
do desenvolvimento da genética humana.
00:33:47
Então é uma coisa a perguntar:
00:33:49
Por que o Dreyfus optou por desenvolver
00:33:53
a genética de drosófilas aqui?
00:33:57
E não a Genética Humana,
o que seria mais lógico,
00:34:02
porque ele tinha formação médica.
Ele era médico!
00:34:06
E sabia o que estava acontecendo
no mundo.
00:34:08
Exatamente pelo movimento eugênico
00:34:12
ser muito forte na Alemanha
naquela época.
00:34:17
A criação da Faculdade de Filosofia aqui,
00:34:19
com a vinda dos professores
a partir de 1934,
00:34:23
o nazismo já estava implantado lá.
00:34:26
Hitler toma o poder
00:34:28
e põe todos os judeus e
meio-judeus para fora
00:34:32
do funcionalismo público
00:34:34
e mesmo de empresas particulares
00:34:36
já em 1933.
00:34:39
Por isso é que os professores
vieram para cá,
00:34:42
esses grandes professores alemães,
00:34:45
vieram para cá
porque eram judeus!
00:34:47
Ou considerados judeus,
00:34:49
mesmo quando eles não se consideravam,
não importa!
00:34:53
O que é incrível é que
os geneticistas alemães
00:34:59
tiveram uma participação terrível
00:35:02
para a alimentação do nazismo.
00:35:04
Quando o Hitler faz toda a campanha
00:35:08
contra os judeus e
começa com o arianismo,
00:35:12
com essas loucuras
de que os arianos são superiores
00:35:15
e os judeus devem ser exterminados,
00:35:18
coisas desse tipo,
00:35:19
ele começa lendo os livros
de Genética Humana!
00:35:23
O interessante é que
a Genética Humana,
00:35:26
por incrível que pareça,
00:35:29
foi um fruto da
genética de drosófilas.
00:35:33
Houve aquele grande entusiasmo
00:35:36
em várias partes do Brasil
00:35:38
começaram a aparecer
jovens pesquisadores
00:35:43
sobre drosófila
00:35:48
e com isso estruturavam-se os laboratórios
00:35:52
de Biologia pro lado da genética
00:35:54
de drosófila.
00:35:56
Aí, o Miller chega dez anos depois
00:36:02
ou oito anos depois,
00:36:06
vem pro Brasil e me diz:
00:36:09
"Pavan, estamos desenvolvendo
nos Estados Unidos
00:36:14
a Genética Humana.
00:36:16
Está com grande potencialidade,
grande possibilidade.
00:36:22
Por que você não muda para a coisa?
00:36:27
Para a Genética Humana?
00:36:29
E começa a desenvolver
a coisa aqui no Brasil?
00:36:33
Naquela época,
era uma coisa fantástica,
00:36:36
estava-se começando,
00:36:38
Lejeune tinha descoberto há pouco
00:36:41
a trissomia do 21.
00:36:47
Estava começando o Ford,
o grupo do Ford na Inglaterra,
00:36:51
detectando a síndrome de Klinefelter
00:36:55
sendo decorrente
de um excesso de cromossomos X.
00:37:00
Então estava começando!
00:37:02
Eu estava todo animado
com drosófila,
00:37:07
até nem tinha...
00:37:10
Ah, já tinha a Rhynchosciara
no caminho
00:37:14
então eu estava animadíssimo
com a Rhynchosciara,
00:37:16
eu disse: "olha,
vamos fazer uma coisa."
00:37:18
Ao contrário de eu mudar
00:37:21
eu quero três bolsas.
00:37:24
Eu vou mandar pros EUA
três pesquisadores
00:37:29
que trabalham,
já estão trabalhando.
00:37:30
Um deles trabalha com Genética,
já está fazendo parte da Genética Humana,
00:37:34
mas dois deles trabalham
com drosófila.
00:37:37
Eles ficam um ano nos EUA
se preparando
00:37:41
para fazer Genética Humana.
00:37:44
E ao contrário de três bolsas,
ele me deu quatro.
00:37:49
Eu tinha pedido bolsa para
00:37:51
Newton Freire-Maia,
00:37:53
Salzano,
00:37:55
Pedro Saldanha,
00:37:58
e o Frota-Pessoa já estava
nos EUA.
00:38:02
Ele deu uma bolsa a mais
para o Frota.
00:38:05
Então ficaram os quatro.
00:38:08
Não havia tanta facilidade de bolsas,
mas a Rockefeller,
00:38:11
com esse sistema de ir nos laboratórios
e ver quem poderia ser aproveitado
00:38:17
deu bolsas para muita gente
no Brasil.
00:38:21
Então você encontra
na história da Genética Humana
00:38:24
e de drosófila
00:38:26
a maioria dos que ficaram
na especialidade
00:38:32
estiveram nos EUA com bolsa.
00:38:35
Houve uma série de
outros desenvolvimentos
00:38:39
que se relacionavam
com o início da Genética Humana
00:38:44
que foi muito apoiada
pela Fundação Rockefeller.
00:38:49
A Rockefeller tinha recursos mundiais.
00:38:52
Ela não pôde aplicar na Europa
00:38:55
por causa da situação instável
da guerra.
00:38:58
Não podia aplicar na Ásia
também por razões semelhantes.
00:39:02
E nem na África.
00:39:05
Então, escolheu a América Latina
para investir.
00:39:09
Do ponto de vista filosófico
00:39:11
a ideia deles era melhorar
a qualidade de vida do povo aqui,
00:39:15
a alimentação, saúde,
00:39:18
esse era o objetivo maior da
Fundação Rockefeller.
00:39:22
Eu tenho a impressão que uma das coisas
era fazer uma divulgação
00:39:26
da própria Fundação.
00:39:29
Uma segunda parte, que nos EUA
é muito importante:
00:39:32
Se você jogar um dinheiro num país,
00:39:36
e mandar gente do Brasil para lá,
00:39:38
a pessoa fica meio dependente
dos americanos.
00:39:41
Isso é verdade.
00:39:42
Não é só a filantropia,
tem um pouco de "pilantropia" também.
00:39:48
Havia, por exemplo,
o Newton Freire-Maia,
00:39:52
que na prática é o fundador
00:39:55
da Genética Humana no Brasil,
00:39:59
e da Genética Médica,
apesar de ele não ser médico,
00:40:02
ele começou a trabalhar,
00:40:07
depois foi para Curitiba,
00:40:10
e lá continuou cada vez melhor.
00:40:12
Mas ele deixou uma obra fundamental,
00:40:16
de origem da Genética no Brasil.
00:40:21
O Salzano é um baluarte
da Genética Humana fantástico.
00:40:28
Continua trabalhando intensamente
00:40:30
produção fantástica, enorme,
00:40:33
prestígio internacional,
00:40:35
que é de Porto Alegre,
da Universidade do Rio Grande do Sul.
00:40:43
O grupo do Freire-Maia
em Curitiba.
00:40:47
Depois, no Rio,
tem também alguns seguidores,
00:40:55
mas não tão intensivos
como esses dois.
00:40:58
Aqui em São Paulo tem vários,
00:41:01
alguns que tiveram experiência aqui
00:41:04
depois se implantaram na pesquisa
em outras universidades,
00:41:07
como o Bernardo Beiguelman.
00:41:11
E lá na Unicamp,
eu tive a oportunidade de criar,
00:41:17
com o apoio do primeiro diretor
da Faculdade de Medicina,
00:41:22
que foi o professor
Antonio Augusto Almeida.
00:41:25
Ele achou que deveria criar
era um Departamento
00:41:29
de Genética Médica.
00:41:33
Naquele tempo, falar em
Genética Humana,
00:41:37
não Médica, mas falar em
Genética Humana,
00:41:40
era considerada uma
conversa esotérica.
00:41:43
Esse negócio não existe...
00:41:46
Ninguém falava em
Genética Humana.
00:41:49
Então imagina isso criado
dentro da Faculdade de Medicina.
00:41:52
Não, vamos criar um Departamento.
00:41:56
Olha, o incrível é que só
na Unicamp é que existe
00:42:00
um Departamento de
Genética Médica.
00:42:02
Em todo o país não existe um
Departamento de Genética Médica.
00:42:05
Veja que coisa.
00:42:08
E aí, quando os quatro voltaram,
00:42:12
eu, como presidente da
Sociedade Brasileira de Genética,
00:42:15
criei uma Comissão de
Genética Humana.
00:42:20
Nessa Comissão de Genética Humana,
00:42:24
eles tinham o dinheiro
que quisessem
00:42:29
podiam se reunir em
qualquer lugar do Brasil
00:42:35
com uma condição que
eu tinha exigido
00:42:39
que qualquer pedido
fosse julgado por essa comissão.
00:42:44
E se essa comissão aprovasse,
ia direto.
00:42:49
Não tinha problema.
00:42:50
E aí começou a famosa
Genética Humana,
00:42:55
como ela é hoje por aí,
dando show de bola.
00:43:13
Então naquela época
a Genética era essencialmente
00:43:18
o Dreyfus, uma senhora chamada
Rosina de Barros
00:43:24
e tinha o Pavan,
00:43:26
que era o menino dourado da Genética
naquela época.
00:43:32
O Pavan é um negócio fantástico,
00:43:34
foi ele o meu orientador no doutorado.
00:43:41
E ele é uma personalidade complexa,
como todo mundo conhece...
00:43:46
E aí eu sonho
00:43:50
que eu era uma goiaba
00:43:55
cortada no meio
00:43:58
no meio de uma cama.
00:44:00
Você pode imaginar o que é
00:44:04
você ser uma goiaba no meio...
00:44:06
Mas ele teve um papel fundamental
00:44:10
no desenvolvimento da Genética
00:44:14
tanto brasileira como internacional,
00:44:18
porque ele fez algumas descobertas
muito importantes,
00:44:23
especialmente dessa mosca,
a Rhynchosciara.
00:44:29
Quando eles foram coletar drosófila,
00:44:33
se coletava drosófila na estrada
que vai para Peruíbe.
00:44:39
E aí eu dou um chute
e encontro um bolo de vermes,
00:44:44
vermelhos, bonitos,
todos andando...
00:44:52
Tudo bem, eu sempre levava material
para trazer amostras.
00:45:00
Pus dentro de um vidro
essas larvas
00:45:06
e pus num saco e voltamos.
00:45:12
Dois dias depois, às onze horas da noite,
estou no laboratório
00:45:15
e antes de sair eu vejo
uma mala como aquela que está ali,
00:45:19
encostada no chão,
00:45:22
fui ver o que estava ali.
00:45:23
Lá dentro tinha o tubinho
e as larvas doidas para sair,
00:45:28
mas a rolha não deixava.
00:45:32
Então eu pego a coisa
e vou olhar no microscópio.
00:45:36
Eu vejo uma glândula salivar.
00:45:39
E vejo as células e o núcleo...
que beleza!
00:45:45
Eu esmago, ponho uma
lamínula por cima e pum:
00:45:47
eu vejo o maior cromossomo
que eu jamais tinha visto!
00:45:51
Teve sorte.
00:45:53
Mas esse negócio de dizer
que teve sorte é bambu,
00:45:56
o nego procura a sorte.
00:45:59
E ele procurou uma mosca
que tivesse alguma coisa diferente
00:46:03
e achou a Rhynchosciara.
00:46:05
Ela tem cromossomos enormes.
00:46:08
Então poderia estabelecer
uma linha inteira de pesquisa
00:46:11
em Rhynchosciara.
00:46:13
O Pavan ficou famoso
logo de saída porque
00:46:16
ele descreveu esses cromossomos gigantes
00:46:19
e descreveu as bandas
dos cromossomos gigantes
00:46:22
e os chamados "pufes".
00:46:24
Mas que diabo de pufe é esse?
00:46:27
Esses cromossomos gigantes
formam o que eles chamam "pufes",
00:46:31
uma inchação localizada
00:46:36
de material genético.
00:46:42
E aí teve uma repercussão
muito grande
00:46:45
porque existia na época
00:46:48
uma crença generalizada
00:46:51
na chamada constância do DNA.
00:46:55
Que dizia textualmente
00:46:58
que as células de tecidos diferentes
tem os mesmos genes
00:47:03
e a mesma quantidade de DNA.
00:47:06
Nós demonstramos o contrário,
que não é assim
00:47:11
e que tem genes que
se multiplicam
00:47:15
independente do resto do cromossomo
00:47:18
e são os chamados pufes.
00:47:21
Tem pufe que dá a formação de RNA
00:47:27
e tem pufes que têm, além
da produção de RNA,
00:47:32
produz também mais DNA.
00:47:35
Então, uma novidade...
00:47:38
E que levou oito anos
pra nós demonstrarmos
00:47:44
que isso existia.
00:47:47
A comunidade internacional
só aceitou
00:47:50
quando dois autores,
acho que Rudkin e Corlette,
00:47:54
mostraram, agora por citofotometria,
00:47:56
que na realidade era aquilo.
00:47:58
Então, daí para frente,
vários resultados foram aparecendo.
00:48:02
Uma outra vez eu estou
em Cold Spring Harbor.
00:48:05
Apresento meus resultados.
00:48:09
E tudo bem...
00:48:12
E o Bermann,
00:48:15
um alemão que trabalhava
com Chironomus
00:48:20
apresenta os resultados e diz:
00:48:24
"nossos resultados
não mostram nada parecido"
00:48:29
"com o que o prof. Pavan mostrou."
00:48:35
Daí o Rudkin,
George Rudkin,
00:48:40
que tinha uma máquina
de medir quantidade de DNA,
00:48:44
apresenta os resultados
de Drosophila e conclui:
00:48:48
"em Drosophila não tem
nada do que o prof. Pavan mostrou."
00:48:53
E aí um gaiato lá da audiência diz assim,
00:48:56
até era conhecido meu, diz assim:
00:48:58
"Hey Pavan, you are all wet!"
00:49:02
Estou, estou "wet".
00:49:06
Só que
eu vou mandar o meu material
00:49:09
para o Rudkin,
que tem um aparelho para medir,
00:49:11
e quando ele me mandar o resultado,
00:49:15
eu vou pegar a minha cueca molhada
00:49:17
e vou te esfregar na cara, tá bem?
00:49:19
E foi uma gargalhada generalizada...
00:49:22
Mas ele é muito exaltado,
00:49:25
de uma maneira que parece
que vai brigar, sabe?
00:49:29
Não gosto desse jeito,
me dá uma tensão muito grande.
00:49:35
Como pessoa, eu acho o Pavan
uma personalidade extraordinária.
00:49:40
É como eu já disse até
em público aí:
00:49:43
se caíssem dez índios, pelados,
00:49:47
da Amazônia, de pára-quedas,
00:49:50
perto do Pavan,
00:49:53
o Pavan conseguia catequizar
00:49:58
no mínimo uns sete
pra trabalhar no projeto dele.
00:50:02
E eu fui um desses índios.
00:50:07
Duas vezes o Pavan
teve influência na minha vida
00:50:10
de direcionar para coisas diferentes.
00:50:14
O Pavan é outro cara extraordinário porque
00:50:17
ele tem a mesma coisa,
que herdou dos mestres dele,
00:50:22
um trabalhador incansável, não é?
00:50:25
Tem uma apreciação da ciência fantástica.
00:50:30
É o indivíduo que eu conheço
com maior espírito de coleguismo.
00:50:38
É uma pessoa muito produtiva
do ponto de vista pessoal,
00:50:43
na USP ele era fundamental,
00:50:46
eu acho que o trabalho dele
foi fantástico
00:50:50
porque ele é um sujeito muito
00:50:57
positivo,
de ação positiva.
00:50:59
Às vezes estabanado,
mas a intenção dele é sempre positiva.
00:51:03
Isso a gente tem que reconhecer.
00:51:06
Ele nunca bota as coisas pra trás.
00:51:08
Se bota pra trás,
é involuntariamente.
00:51:11
É um cara que gosta do progresso,
do avanço, sabe?
00:51:16
Porque tem muita gente
que não gosta...
00:51:18
Ele não, vai pra frente,
apoia os alunos dele,
00:51:22
protege, é impressionante.
00:51:25
Isso ele faz muito bem.